As
manifestações iniciadas no último dia 6 de junho já entraram para a
História, independente do que ocorra daqui pra frente. Colocar um milhão
de pessoas nas ruas do Rio de Janeiro e de São Paulo é fato raro, tendo
acontecido pela última vez na Campanha das Diretas Já, em 1985,
portanto há quase 30 anos.
O
fato desse movimento ter se espalhado Brasil afora também contribui
para identificá-lo como um fenômeno pouco comum. Cabe lembrar,
inclusive, que seu início se deu com mais destaque em Goiânia e
Florianópolis, daí tendo proliferado.
O
movimento começou como reivindicação pela redução do preço das
passagens de ônibus e pelo passe livre, portanto de âmbito regional,
colocando em cheque principalmente os governadores do Rio de Janeiro e
de São Paulo. Com a adesão às bandeiras pela melhoria da educação e da
saúde, pela derrubada da PEC 37 (conquistada), contra a corrupção e os
altíssimos gastos públicos para as copas das Confederações e do Mundo,
entretanto, o alvo passa a ser o governo federal e o congresso nacional.
O
governo federal demorou a entender isso, daí a popularidade da
presidente Dilma ter despencado de 57% para 30% em apenas três semanas,
conforme levantamento do Datafolha realizado nos dias 27 e 28 de junho,
publicado no dia 29.
A
resposta do governo veio principalmente com a proposta de um plebiscito
para realizar uma reforma política. Plebiscito esse que não terá como
alterar as regras para a eleição de 2014, tendo em vista que a lei
impede mudanças no mesmo ano do processo eleitoral. A única forma dessa
proposta ter sucesso será rasgar a letra da lei, o que significaria mais
desgaste para o governo e o congresso. Portanto, sua aplicabilidade no
curto prazo é descartável, sendo muito mais uma peça de propaganda do
que algo efetivamente a se levar em consideração.
Até
mesmo a oposição – o outro lado de uma mesma moeda, pois no principal, a
política econômica, é a mesma - não soube como responder aos anseios
das ruas. Os setores progressistas da política e a sociedade organizada,
aí entendida como os sindicatos de trabalhadores, associações de
moradores, de favelas etc. também demoraram a se aperceber da amplitude
das manifestações e do seu potencial. Tanto isso é verdade que foi
marcada na internet uma greve para o dia 1º de julho, greve essa que não
ocorreu, pois não contou com o apoio das duas maiores centrais
sindicais do país: CUT e Força Sindical, que marcaram uma manifestação
nacional para o dia 11 de julho.
Não dá para governar com o que sobra
A
maior parte da população está apoiando esse movimento, segundo a mesma
Datafolha: 81% são a favor, 15% contra e 4% indiferentes, o que
demonstra seu potencial, até agora ainda não configurado, pois carece de
direção e de organização. Se lembrarmos os movimentos ocorridos na
Espanha, Portugal, Grécia, França, Inglaterra e até mesmo Estados Unidos
verificaremos que apesar da força das ruas não conseguiram alcançar
seus objetivos, prevalecendo o predomínio do capital financeiro, o
grande responsável por toda a crise econômica que se abate sobre o
planeta.
Aqui
no Brasil não é diferente, pois desde o governo Collor, passando por
Itamar, FHC, Lula e agora Dilma o neoliberalismo predomina, em
detrimento do crescimento econômico, de investimentos produtivos e
sociais, particularmente por parte do governo federal, refém dos agiotas
internacionais e que pratica uma política suicida de isenções fiscais a
rodo, em benefício do capital privado e em detrimento dos cofres
públicos, já bastante combalidos.
Isso
se comprova através do orçamento geral da União executado em 2012, que
foi de R$ 1,712 trilhão, dos quais 43,98% - cerca de R$ 752 bilhões –
destinados para pagamento de Juros e Amortização da Dívida. Em
contrapartida, a Saúde recebeu apenas 4,17%, a Educação 3,34%, a
Assistência Social 3,15%, os Transportes 0,7%, a Segurança 0,39% e a
Habitação 0,01% desse mesmo orçamento, perfazendo um total de 8,61%, ou
seja aproximadamente R$ 200 bilhões, segundo dados do Senado levantados
pela Auditoria Cidadã da Dívida.
Daí
se explica a eterna falta de recursos por parte do governo, que agora
aplaude a decisão da Câmara de destinar 75% dos royalties do pré-sal
para a Educação e 25% para a Saúde. Conforme demonstrado acima,
entretanto, recursos não faltam, mas sim um redirecionamento na sua
prioridade, até mesmo porque os royalties do pré-sal ainda não são
realidade, somente mera expectativa.
Esquizofrenia
A
economia brasileira vive uma fase bipolar – palavra da moda - nos
últimos anos dadas as diretrizes adotadas pelo governo federal.
Se
por um lado houve distribuição de renda e inclusão de uma camada
carente da população no consumo, por outro lado concentrou-se ainda mais
a renda em constante benefício do capital, tanto das transnacionais
quanto do financeiro. Aumentou a base da pirâmide, ao mesmo tempo
diminuiu o topo, o que comprova essa concentração de renda, não nos
moldes tradicionais, mas no novo modelo adotado desde o Consenso de
Washington.
A
deterioração da indústria de base é notória, vide o aumento das
importações do setor; a indústria de transformação – automóveis, linha
branca etc., foi incentivada através do aumento do crédito e ultimamente
das isenções fiscais; o agronegócio ganhou força extraordinária, com o
país voltando a ser prioritariamente exportador de commodities em
detrimento das empresas genuinamente nacionais e da agricultura
familiar, geradora de empregos e principal fornecedora de alimentos para
a população. O setor de serviços também recebeu incentivos, apesar de
sua qualidade ainda deixar muito a desejar, o que não o torna
competitivo em nível internacional.
Apesar
disso, em um primeiro momento o país conseguiu enfrentar a crise
econômica que se alastra pelo mundo desde 2008 e não dá sinais de que
irá arrefecer, muito pelo contrário.
Já
em um segundo período, particularmente no governo Dilma, aquela
considerada uma “marolinha” finalmente chegou, mas como uma onda: os
aumentos reais de salários não fazem frente ao crescimento dos preços, a
indústria privada em geral perdeu competitividade, o governo abriu mão
de investir em infraestrutura, a política monetária predomina em
detrimento do planejamento e do investimento efetivamente produtivo.
Tudo isso levou a uma verdadeira escassez de recursos, que acompanhada
pela inflação em alta caracteriza a insatisfação da população com o
governo, recaindo principalmente sobre a presidente, é claro.
Não
é possível superar a atual crise apenas com a política monetária de
arrocho fiscal e alta taxa de juros. A Inglaterra adotou o mesmo modelo –
assim como Grécia, Espanha, Portugal etc. e está caminhando para o
buraco. Recentemente anunciou o corte de mais US$ 18 bilhões em seu
orçamento, o que significa a perda de mais de 100 mil empregos e com a
taxa de desemprego já ultrapassando os 8%.
A
capacidade de endividamento da população alcançou o ápice ou está muito
perto disso. E a nossa bolha é diferente da estadunidense, pois não se
limita ao mercado imobiliário e financeiro, já que alcança em cheio o
principal parque industrial, o de transformação. Se o desemprego está
relativamente controlado, em torno de 6% pelo índice oficial, quando na
verdade está por volta de 8%, caso a bolha se descontrole apenas um
pouco iremos conviver com alta de desemprego e consequências danosas
para todos.
A
conclusão óbvia que se chega é que existe uma sinuca de bico: se o
governo federal atender aos anseios do movimento popular irá perder base
de apoio no congresso e junto ao mercado financeiro e transnacionais,
colocando em risco seu projeto político de reeleição em 2014. Por outro
lado, caso não atenda as reivindicações populares irá se distanciar do
eleitorado, da mesma maneira colocando em risco sua continuidade.
Como
aqui é Brasil, não duvidemos que o governo e seus aliados arranjem um
“jeitinho” para enfrentar os protestos e parecer mudar, arrefecendo-os,
mas no fundo deixando tudo como está. Não seria a primeira vez.
Afonso Costa
Jornalista
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