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quarta-feira, 2 de novembro de 2022

A REPÚBLICA FEDERATIVA DO FAZ DE CONTA

Para defender essa tese eu poderia voltar a 1822, mas é desnecessário, os últimos acontecimentos bastam. Primeiro temos um processo eleitoral em que o candidato nazifascista à reeleição usou descaradamente a máquina do estado em sua campanha e chegou a tentar impedir o exercício do direito de voto onde o seu oponente era claramente majoritário. A sua derrota para Lula pela margem mais estreita de todas as eleições presidenciais pós-ditadura foi um alívio para a esmagadora maioria da humanidade, mas o jogo não terminou aí, diferente do que muitos pensam e do que a institucionalidade da agonizante "Nova República" encena. Gerardo Santiago : ex Diretor do SEEB/RIO, aposentado do BB.

terça-feira, 1 de novembro de 2022

Em aceno a Lula, governadores bolsonaristas da Amazônia pregam união e diálogo

Entenda por que a colaboração entre governos estaduais e federal será fundamental para combater o desmatamento no bioma Murilo Pajolla Brasil de Fato | Lábrea (AM) | 01 de Novembro de 2022 às 06:34 Nos estados da Amazônia, governadores bolsonaristas declararam respeito ao resultado das urnas que devolveu a Luiz Inácio Lula da Silva (PT) o cargo de presidente da República. São políticos que apoiaram Jair Bolsonaro (PL) no pleito de 2022 e se elegeram graças à onda bolsonarista de 2018. Agora, falam em diálogo e harmonia com a futura administração petista. Com isso, sinalizam também que não darão apoio a uma possível ofensiva de Bolsonaro contra o resultado das urnas, isolando setores mais radicais que têm se manifestado favoravelmente a um golpe militar contra Lula. Leia mais: Noruega anuncia que vai desbloquear Fundo Amazônia após vitória de Lula Além disso, Lula terá que dialogar com os governadores da Amazônia se quiser cumprir a promessa de "desmatamento zero" no bioma, onde o crime ambiental e bolsonarismo andam juntos. Confira o posicionamento dos governadores após a vitória de Lula e entenda, mais abaixo, por que a articulação entre governos estaduais e federais é fundamental para interromper a destruição da Amazônia. Amazonas e Roraima: bolsonaristas de 1º hora querem diálogo Reeleito governador do Amazonas no 2º turno, Wilson Lima (União) frisou que segue aliado de Bolsonaro, mas que vai dialogar com "quem quer que seja" para "defender os interesses do povo do Amazonas". A declaração, dada durante o pronunciamento da vitória, foi acompanhada de gritos de "Lula" por parte da plateia. Lima sabe que no interior amazonense boa parte de seus eleitores - principalmente os mais pobres - são apoiadores do petista. :: Amazônia: resultado de eleições para governador dá sequência a tragédia socioambiental :: Assim como Wilson Lima, o empresário Antônio Denarium (PP) ganhou projeção na onda bolsonarista de 2018 e acabou na cadeira de governador de Roraima, onde trabalhou ativamente para favorecer garimpeiros ilegais. Reeleito em 1º turno neste ano, o político reafirmou o "desejo soberano" das urnas após a vitória de Lula e falou em "diálogo, união e trabalho pelo povo brasileiro". "Desejo sucesso e sabedoria ao presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva", escreveu nas redes sociais. Acre e Tocantins: reeleitos pregam respeito à vontade popular Outro bolsonarista reeleito em primeiro turno é Gladson Cameli (PP) no Acre. Ao comentar a vitória de Lula, ele pregou respeito à "vontade popular" e cumprimentou o petista pela vitória. "Estamos prontos para trabalhar em harmonia com o governo federal", publicou no Twitter. Cameli personificou a bolsonarização do Acre e desbancou 20 anos de administrações petistas no estado historicamente ligado ao Partido dos Trabalhadores e a Chico Mendes. Wanderlei Barbosa, do TO: apoiou Bolsonaro, mas fez aceno a Lula / Divulgação/Ascom No Tocantins, Wanderlei Barbosa (Republicanos) se reelegeu em 1º turno e desbancou o candidato bolsonarista oficial no estado, Ronaldo Dimas (PL). Mesmo assim, apoiou Bolsonaro no 2º turno e prometeu "hipotecar" seus votos para o presidente. Com Lula eleito, Barbosa parabenizou o petista e disse que as eleições ocorreram "de forma democrática e dentro das regras constitucionais". :: Sob pressão do agro, extinção de reserva extrativista vira bandeira eleitoral na Amazônia :: Estados com bolsonarismo enraizado são exceção O aceno positivo a Lula não ocorreu em dois estados onde o bolsonarismo se enraizou e rendeu lucros altos ao agronegócio predatório: Mato Grosso e Rondônia. Os respectivos governadores, Mauro Mendes (União) e Coronel Marcos Rocha (União), lamentaram a derrota de Bolsonaro sem citar Lula. "Sempre estaremos juntos [com Bolsonaro]", publicou Rocha. Mendes declarou: "Deus abençoe o nosso Brasil nos próximos quatro anos e a todos que irão conduzir o país". Governadores lulistas No Pará e no Amapá, Helder Barbalho (MDB) e Clécio Luís (Solidariedade) demonstraram alinhamento com Lula desde o início e celebraram a vitória do petista. Barbalho anunciou nesta segunda-feira (31) um convite para Lula participar da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2022 (COP 27), o maior e mais importante encontro mundial sobre meio ambiente e mudanças climáticas. Qual importância dos governos estaduais no combate ao desmatamento? De fato, o governo federal é o responsável por conceber a preservação socioambiental da Amazônia como parte de um projeto de país. Mas os governos estaduais e as assembleias Legislativas têm papel fundamental para coibir e fiscalizar crimes ambientais. No primeiro governo Lula, o Brasil implementou um plano que derrubou o desmatamento na Amazônia em 70%. Com base na orientação do governo federal, os governos criaram planos estaduais e incluíram diretrizes previstas no plano nacional, como ordenamento territorial, controle ambiental e fomento às atividades produtivas sustentáveis. :: Mapa eleitoral inédito comprova aliança entre bolsonarismo e crime ambiental na Amazônia :: Sob o comando de bolsonaristas, estados da Amazônia Legal têm estimulado a grilagem de terras por meio de leis que anistiam invasões. É imprescindível também que os governos estaduais deixem de conceder títulos de terra em áreas griladas. A invalidação de Cadastros Ambientais rurais (CARs) sobrepostos de maneira ilegal a áreas protegidas também é uma ação concreta que as administrações devem priorizar no combate ao desmatamento e à grilagem de terras. Edição: Nicolau Soares 10

Vamos ter que desbolsonarizar o Brasil

 

POR MAURO LUIS IASI

Via Jacobin
 

 
Na ausência de uma alternativa revolucionária perante a crise do capitalismo, a polarização se apresenta em um confronto entre a extrema direita e uma frente democrática em torno da centro esquerda. No entanto, o neofascismo vai muito além da personificação de um miliciano como Bolsonaro – e nosso trabalho para resgatar o país dos herdeiros da ditadura está apenas começando.
 
Não há dúvida de que a tarefa principal nesta eleição é derrotar a alternativa fascista. Entretanto, este é um ato de uma peça muito maior. Nossa formação social carrega como cicatrizes as marcas de um passado colonial e escravista que transitou funcionalmente para a ordem burguesa na forma de um capitalismo dependente e subordinado ao imperialismo.
 
Sobre este solo histórico, nosso país atravessa hoje a crise do modo de produção capitalista que se expressa em três crises particulares: a crise do padrão de acumulação na produção industrial, a crise do avanço do capitalismo no campo e a formação do grande monopólio agrário e a confluência destas duas crises na chamada crise urbana.
 
O modelo econômico do capitalismo dependente se fundamentava na associação de uma superexploração industrial e uma contínua expropriação no campo, formando massas urbanas expropriadas para alimentar o exército industrial de reserva e a superpopulação relativa e manter baixos os salários. A particularidade da crise presente se dá pelo fato que o atual padrão de acumulação só pode se viabilizar com a intensificação da exploração e altas taxas de desemprego.
 
“O fascismo sempre é a alternativa de um capitalismo em crise, principalmente quando a crise econômica também se expressa como crise política.”
 
Ao mesmo tempo, a concentração da produção no campo e a formação do monopólio capitalista agrário, eufemisticamente chamado de agronegócio, também caminha para o aumento da produtividade e poupança de força de trabalho, aumentando nas duas pontas a expropriação que explode nos centros urbanos de maneira caótica.
 
A raiz da crise
 
O fascismo sempre é a alternativa de um capitalismo em crise, principalmente quando a crise econômica também se expressa como crise política. Em nosso caso, a República burguesa transitou de uma forma autocrática explícita para uma democracia frágil que pode, no máximo de seu desenvolvimento, se apresentar naquilo que Florestan Fernandes denominou de uma “democracia de cooptação”. Neste cenário, o aprofundamento da crise do capital, aqui e no mundo, acaba se apresentando de maneira particular, isto é, também como a crise da forma política encontrada para gerir a forma peculiar da luta de classes em nosso país. Em outras palavras, a crise econômica se expressa como crise da democracia de cooptação.
 
O espaço ocupado pela ascensão da extrema direita é aquele que representa o limite de uma estratégia de conciliação de classes que se esgotou de forma dramática com o golpe de 2016. O caráter indefinido e em aberto que se apresenta na conjuntura eleitoral e para além dela, se dá pelo fato de que a alternativa de extrema direita não foi capaz de apresentar-se como caminho estável para derrota da centro-esquerda conciliadora. Pelo contrário, foi um fator constante de instabilidade política que acabou por prejudicar as condições para a consolidação da pauta do grande capital monopolista.
 
“A crise econômica resulta em um grande ressentimento que faz com que camadas das massas populares sejam capturadas pela ideologia de extrema direita.”
 
O grau de polarização que se apresenta na arena eleitoral resulta de uma profunda divisão das classes fundamentais da sociedade brasileira. Setores do grande capital monopolista percebem o problema do bolsonarismo e passaram para a oposição, como fica evidente pelo principal porta-voz na mídia corporativa, ao mesmo tempo que a crise da estratégia de conciliação combinada com a crise econômica resulta em um grande ressentimento que faz com que camadas das massas populares sejam capturadas pela ideologia de extrema direita.

O que parece importante destacar é uma certa simetria nesta polarização. Ambos os lados da fratura que cinde a sociedade brasileira são compostos de segmentos de classe similares: partes do grande capital monopolista (urbano e rural), segmentos médios e setores populares. O que parece diferenciá-los substantivamente, já que o debate econômico fica relegado, é o respeito às instituições democráticas ou a tentação de ruptura. 

Subordinação da burguesia ao imperialismo

O espelho político nem sempre pode captar o real em suas múltiplas dimensões. Qual seria a razão de parte do grande capital monopolista apostar em uma alternativa que coloca em risco sua própria ordem institucional? Acreditamos que neste ponto a particularidade da formação social brasileira se apresenta decisivamente. A burguesia monopolista brasileira, subordinada e dependente, tem como sua pátria o capital e como seus valores aqueles que podem acumular em suas contas bancárias. Não há nenhum vínculo remotamente nacional, seja com instituições, seja com o povo ou qualquer outra abstração que a teoria política possa apresentar. 

Sua existência subordinada ao imperialismo se funda na exploração brutal de uma parte da classe trabalhadora e em uma ordem econômica cuja dimensão não extrapola a produção, a circulação e o consumo necessários à manutenção de suas taxas de lucro. A reprodução da força de trabalho, que já foi uma condição essencial para a saúde da acumulação de capital, se torna um empecilho que desvia recursos do Estado, que passa a ser essencial no metabolismo do capital. O fundo público tem que ser saqueado para manter a saúde do capital financeiro e os subsídios às outras franjas do capital monopolista na indústria, agrário, comercial e outros.

“O crescimento da extrema direita não é um acidente ou uma anacronia, mas uma resposta adequada e eficiente à natureza da crise do capital.”

A massa sobrante tem que ser mantida em ordem pelos aparatos policiais e por medidas compensatórias que não comprometam a saúde financeira do Estado. Nada disso seria possível sem uma intensificação da dominação ideológica. Olhando por este ângulo, o crescimento da extrema direita não é um acidente ou uma anacronia, mas uma resposta adequada e eficiente à natureza da crise do capital nas condições de uma formação social com um capitalismo monopolista altamente desenvolvido, dependente e subordinada ao imperialismo.

Consciência cínica da classe dominante

Marx e Engels diziam com razão que as ideias dominantes são as ideias da classe dominante, mas o nosso bloco dominante, se há muito já apresentou valores liberais da igualdade, liberdade e fraternidade, a ordem burguesa no Brasil e a brutal concentração da propriedade só pode se apresentar como oligárquica, com justificativa de seus privilégios e tem suas margens de lucro na miséria das maiorias. Nosso padrão de acumulação atual, prescinde de dezenas de milhões. A carcaça da forma dos valores que precisam se manter ideologicamente só podem carregar como substância a desigualdade, o preconceito, o racismo, o patriarcalismo e a lgbtfobia. Por dentro de cada burguês ou sua filial pequeno burguesa no Brasil existe um senhor de escravo e uma coronel. 

“Não por acaso a religião, principalmente na forma de empresas que exploram a fé visando lucros, assume um papel decisivo como aparelho ideológico.”

A ideologia assume, como cabe em uma época de crise, a forma de uma “ilusão consciente” de uma “hipocrisia proposital”, ou naquilo que Zizek denomina, seguindo as pistas de Marx, de uma consciência cínica. As mediações de uma ideologia na forma de uma consciência cínica, de uma hipocrisia proposital, não pode ser a ciência, a educação, o amoldamento à ordem institucional, precisa se fundamentar no irracionalismo, nos impulsos atávicos e primitivos, na fé. Não por acaso a religião, principalmente na forma de empresas que exploram a fé visando lucros, assume um papel decisivo como aparelho ideológico.

Portanto, a polarização eleitoral é muito mais que uma guerra de máquinas eleitorais e de bases de apoio, é a expressão de uma formação social que encontrou seu ponto de fratura. Na ausência de uma alternativa revolucionária, a polarização se apresenta como um confronto entre a extrema direita e uma frente ampla em torno da centro-esquerda.

Diante disso, não resta dúvida que os comunistas e socialistas devem cerrar fileiras para derrotar a alternativa que aponta para o fascismo na arena eleitoral. No entanto, se estivermos certos em nosso diagnóstico, a extrema direita vai muito além da personificação em um miliciano estúpido, suas raízes na crise do capital e suas expressões na institucionalidade burguesa ainda se manterá como força política e continuará exigindo nosso enfrentamento, seja qual for o resultado das eleições.

Mauro Luis Iasi é professor aposentado da ESS da UFRJ, pesquisador do NEPEM (Núcleo de estudos e pesquisas marxistas), educador popular do NEP 13 de Maio e membro do Comitê Central do PCB.
 
 

https://jacobin.com.br/2022/10/apos-derrotar-o-fascismo-nas-urnas-vamos-ter-que-desbolsonarizar-o-brasil/