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quarta-feira, 31 de julho de 2013

Administrar o neoliberalismo: lições do Brasil

 
A gestão do neoliberalismo por regimes de centro-esquerda é um exercício incômodo. A retórica do governo insiste em pintar um quadro de progresso social em um marco de desenvolvimento econômico. Mas as amarras do modelo neoliberal conspiram para anular os êxitos que poderiam ser obtidos. O neoliberalismo não foi feito para promover o desenvolvimento.

Alejandro Nadal
A gestão do neoliberalismo por regimes de centro-esquerda é um exercício incômodo. A retórica do palácio de governo insiste em pintar um quadro de progresso social em um marco de desenvolvimento econômico. Mas as amarras do modelo neoliberal conspiram para anular os êxitos que poderiam ser obtidos. O neoliberalismo não foi feito para promover o desenvolvimento.

Nos últimos anos surgiu o mito do milagre econômico no Brasil. A taxa de crescimento do PIB esteve acima da média da América Latina e seu desempenho exportador lhe permitiu manter um superávit significativo. Além disso, o aumento no gasto social lhe possibilitou reduzir a pobreza e diminuir a fome. O que podia dar errado?

As manifestações nas cidades brasileiras são produto de muitos fatores. Desde a péssima qualidade dos serviços públicos e da inconformidade com a corrupção, até a repressão aplicada pelos corpos de segurança. O movimento também está animado pela impaciência com a classe política que só ambiciona apoderar-se de cargos públicos para viver de suas rendas. Por enquanto, a desaprovação não têm mais perspectivas que o simples protesto. Mas esta conjuntura obriga a examinar a estrutura e o desempenho da economia brasileira sob o peculiar enfoque do PT.

Para começar tem que entender o mito do crescimento econômico no Brasil. Entre 1999 e 2011, o crescimento médio anual foi de 3%, nada espetacular e certamente muito abaixo das necessidades de geração de emprego que o gigante sul-americano tem. Nesses anos a economia brasileira foi dando cambalhotas, alternando anos de rápido crescimento (7% em 2010) com outros de mal desempenho (rombos de menos 0,2% em 2003 e 2009).

O desemprego aberto no Brasil alcança 6% da PEA (2011). Para os padrões europeus em plena crise esse dado parece reduzido. Mas deve ser manejado com cautela. Entre 2000 e 2007 51% do emprego total no Brasil se concentrou no setor informal. Como em toda a América latina, o setor informal é um grande gerador de emprego e o perfeito disfarce para o principal problema econômico do capitalismo.

Na década dos anos noventa, foram aplicados, no Brasil, fortes programas de estabilização, com esquemas de contração salarial, ajuste fiscal e até a criação da nova moeda, o real. A inflação reduziu-se de níveis superiores a 2.000% até níveis historicamente baixos (cerca de 5%). Desde então impera a política macroeconômica restritiva, com as taxas de juros mais elevadas da América latina.

Os dois governos de Lula procuraram conciliar as diretrizes do neoliberalismo com objetivos de justiça social. Para não alterar os equilíbrios da macroeconomia neoliberal, se optou pelo caminho do assistencialismo. Para obter os recursos necessários se incrementou a pressão fiscal até alcançar 36,2% do PIB em 2012. Esse é um nível que corresponde ao de um país com bons serviços públicos, mas no Brasil predomina a má qualidade em matéria de saúde, educação e transporte.

A política fiscal é de corte neoliberal absoluto e seu principal objetivo é gerar um superávit primário (diferença entre ingressos e gastos líquidos de encargos financeiros). O superávit primário é um montante que poderia ser investido em saúde, educação e transporte, mas se destina a cobrir cargas financeiras. O ano passado ultrapassou 53 bilhões de dólares, soma equivalente a 2,3% do PIB, mas inferior à meta de 3% do PIB: o Brasil manteve um dos níveis mais altos de superávit primário do mundo.

Por outro lado, a estrutura do imposto sobre a renda não é progressiva e uma boa parte da carga é suportada pelos trabalhadores de poucos ingressos. Além disso, o peso dos impostos sobre mercadorias e serviços na arrecadação total é desmedido: 48% da arrecadação total provém deste imposto regressivo que onera com a mesma taxa ricos e pobres. O arrecadado pelo imposto representa cerca de 12% do PIB no Brasil, um escândalo.

As bases do setor exportador não são robustas. Cerca de 55% das exportações provém do setor primário, com um enorme custo social e ambiental. A volatilidade dos preços destes produtos básicos é bem conhecida e, por isso, em 2012 o Brasil teve seu pior superávit comercial em dez anos. A indústria brasileira teve um mau ano em 2012 e subsistem sinais de fragilidade no setor manufatureiro. Por outro lado, o modelo de agronegócio brasileiro é um fracasso social, ambiental e econômico, mas os grandes consórcios desse país, com o consentimento do governo, pretendem exportá-lo para Moçambique e outros países da África.

Finalmente, em matéria social, a redução da pobreza no Brasil foi real, mas modesta. Este país continua entre os com maior desigualdade no mundo. Para os partidos da esquerda institucional na América latina, as lições são claras. No final do caminho, as contradições do neoliberalismo são insuperáveis: nem desenvolvimento, nem rosto humano.

Alejandro Nadal é membro do Conselho Editorial de SinPermiso

Tradução: Libório Júnior

 
 
 

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