- Hernane?
Quem é o Hernane? Não conheço
Hernane nenhum! A frase é do técnico da seleção brasileira de futebol, Felipe
Scolari, em reação a pergunta de um jornalista sobre possível convocação do
jogador do Flamengo para a Copa do Mundo.
A resposta do técnico traduz muito do futebol brasileiro não
é de hoje, bem como das relações que se dão em nossa sociedade, refletidas no
campo esportivo, particularmente no futebol.
Como o treinador da seleção brasileira não conhece o
artilheiro do Brasil em 2013? O
também artilheiro da Copa do Brasil do ano passado? Um jogador
importante para o Flamengo? Um atleta que disputa a Libertadores deste
ano pelo mesmo
Flamengo?
Claro que conhece. A resposta foi apenas uma maneira de
desdenhar do jogador, de reconhecidas poucas qualidades técnicas. Sem entrar no
mérito se ele deve ou não ser convocado – acho que não – essa não é a forma de
um técnico da seleção se referir a um profissional, um rapaz de origem humilde,
que muito lutou e luta por sua sobrevivência, por seu sucesso profissional.
É meramente arrogância, inadmissível em um país excludente
como o nosso. Há um preconceito de classe explícito em sua resposta, a na qual
não mereceu qualquer tipo de objeção pelos ministérios públicos da vida ou
outras autoridades, tão ávidas em aparecer nos jornais. Infelizmente faltou,
também, perspicácia ao repórter, que poderia retrucá-lo e deixá-lo em situação embaraçosa,
o que mínimo que Scolari merecia.
Isso é a cara da CBF – Confederação Brasileira de Futebol -,
contratante de Felipão, o suporte de toda a sua arrogância, por sua vez
calcados em sua própria arrogância, em sua impunidade.
Afinal, o que é a CBF?
É uma instituição privada que vive sub-repticiamente de recursos públicos, ou
seja, de estádios, de transmissões de rádio e televisão, meios e vias de acesso
de transportes, de policiamento. Sem essas condições sua atividade não chegaria
aos milhões de brasileiros que a sustentam em última instancia, que asseguram
seus lucros privados. E que lucros! Que o diga o senhor Ricardo Teixeira, por
décadas presidente da CBF e hoje um dos mais novos milionários a viver nos
Estados Unidos, afastado das acusações de corrupção.
A ligação da CBF com a coisa pública não vem de hoje.
Durante a ditadura militar-empresarial a então CBD – Confederação Brasileira de
Desportos – foi utilizada para dar suporte político aquele regime de exceção,
sem real representatividade, carente de se firmar em âmbito nacional, de uma
legitimidade que nunca teve. Propiciava o circo para manter a população
afastada e inconsciente das mazelas políticas, da tortura e dos assassinatos,
da entrega da economia nacional às multinacionais.
O nadador de elite surge nesse cenário e transforma a CBD em
CBF, faz o jogo do poder, se consolida em nível nacional e parte para a
Presidência da Fifa, na qual ficou muitos anos e de onde também é acusado de
corrupção. Foi o período de consolidação de uma política anacrônica, do é dando
que se recebe, de um jogo de interesses escusos
em prol de se manter no poder e lucrar, lucrar muito!
O outro lado da moeda é inegável. O mal que tal sistema
impinge ao futebol brasileiro não pode mais ser escondido. Não produzimos mais
craques como antigamente, deixamos de ser protagonistas naquele que já foi
nosso maior orgulho, convivemos com competições medíocres, com os cartolas e
seus asseclas a lucrar em detrimento da qualidade do nosso futebol, vítima da
violência, da truculência, de negócios duvidosos, de um jogo de poder
absolutamente repugnante.
Com a estrutura contaminada (será só ela?) pelo vírus do poder e da submissão
ao capital, a CBF se consolidou e reproduz-se continuamente, colaborando
decisivamente para o atraso político, econômico e social do nosso país.
Como toda moeda tem três lados, as conseqüências danosas atingem
a nossa paixão, o nosso imaginário, um espaço de talento, de oportunidade, de
afirmação para os Hernanes da vida, que somente assim conseguem ter e propiciar
dignidade para si e suas famílias. Milhões de meninos Brasil afora sonham em
uma dia ser Hernane, em ter uma chance, em brilhar nos gramados, aparecer na
televisão.
Quem é Felipe Scolari para destruir suas ilusões?
Talvez este seja o preço mais caro a ser pago.
Afonso Costa
Jornalista
Nenhum comentário:
Postar um comentário