Dirigentes
do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) realizam balanço das
políticas agrária e agrícola do governo federal do ano passado e afirmam
que “2013 foi o pior ano para a reforma agrária”. João Paulo Rodrigues,
um dos coordenadores do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST),
assegura que quase nada foi feito e, mais grave ainda, denuncia o fato
de que, em muitos casos, o governo retroagiu. “2013 é um ano que não
deixará saudades nos sem-terra de todo o país”, declara o dirigente.
Ele diz que “o governo Dilma, que sempre esteve péssimo nessa
questão, conseguiu piorar ainda mais. Até agora, só 159 famílias foram
assentadas em todo o país. É uma vergonha. Não passam de 10 os imóveis
desapropriados por este governo. Pior que o último governo militar do
general Figueiredo, quando foram desapropriados 152 imóveis”, compara.
Alerta para um problema considerado grave pelo movimento, o qual o
governo federal está chamando de “emancipação dos assentamentos”, ou
seja, passando o título dos lotes para os assentados. “Na prática, isso
serve para o Estado deixar de ter responsabilidade sobre as famílias.
Mas o pior é que essa política vai criar uma contrarreforma agrária, uma
vez que grandes fazendeiros vão passar a pressionar os assentados para
que vendam seus lotes, pondo tudo por água abaixo e aumentando ainda
mais a concentração das terras no país”, denuncia.
Bancada ruralista, commodities e superávit primário
O dirigente do MST afirma que há várias dificuldades que impedem o
avanço da reforma agrária, mas, para ele, há dois grandes problemas
cruciais. O primeiro é o fato de o governo estar completamente refém da
bancada ruralista, a maior frente parlamentar do Congresso Nacional. São
162 deputados e 11 senadores, e mais uma legião de adeptos de última
hora. “Só para se ter a dimensão do problema, por mais absurda que seja a
pauta desse setor, eles conseguem sair vitoriosos em todas, mesmo em
propostas inconstitucionais”.
“Podemos pegar desde o estrangulamento do Código Florestal, passando
pela alteração da PEC do Trabalho Escravo, o retrocesso sobre a
legislação referente à demarcação de terras indígenas, a criação de uma
comissão especial para liberar com maior facilidade novos agrotóxicos –
ignorando o trabalho de avaliação da Anvisa e do Ibama – e a liberação
de novas sementes transgênicas. Nenhuma dessas propostas é de interesse
da sociedade brasileira. Todas são exclusivamente dos interesses
particulares desse setor e estão sendo vitoriosas. A bancada ruralista é
um câncer no povo brasileiro”, avalia.
O outro tema considerado problema crucial pelos sem-terra é a relação
do governo com o agronegócio. “As grandes exportações de commodities
promovidas por esse setor permitem ao governo a manutenção da política
de geração sistemática de superávit primário, garantindo o destino de
recursos orçamentários para o setor financeiro, como o pagamento de
juros e serviços da dívida pública, o que é lamentável”.
Políticas públicas não satisfazem às necessidades
Rodrigues cita algumas conquistas no campo das políticas públicas
como resultantes das lutas dos movimentos sociais, mas afirma que elas
têm limite. “Lutamos e garantimos no âmbito das políticas públicas a
compra de alimentos, a educação no campo, a agroindustrialização da
nossa produção, a introdução de outro modelo de agricultura, no entanto,
temos em mente que embora essas medidas sejam importantes, elas têm
seus limites. São muito desproporcionais se comparadas com os
investimentos destinados ao agronegócio.
Um exemplo disso é o Plano Safra 2013-2014 da Agricultura Familiar
que representa pouco mais de 20% do que é destinado ao agronegócio”,
compara. E completa: “Além disso, contamos com essas políticas públicas
hoje, mas nada nos garante que poderemos contar com elas amanhã, se
houver troca de governantes”, avisa.
Apesar de ter sido um ano negativo em relação à reforma agrária,
Rodrigues considera que o ano foi positivo para a luta dos camponeses.
“Montamos um acampamento permanente em Brasília durante três meses,
realizamos várias lutas na capital federal, como marchas, ocupações de
ministérios e atos políticos”, contabiliza.
A lógica e a estrutura da produção agrícola
Ele sugere que, para resolver os problemas e mudar a lógica e a
estrutura da produção agrícola do Brasil, é preciso priorizar a produção
camponesa e familiar e não tratá-las como algo secundário, e que o
governo precisa entender que a única solução à pobreza é uma ampla
reforma agrária, criando milhares de empregos no campo. “A própria FAO
reconheceu que a única saída à crise ambiental e a garantia da soberania
alimentar está na agricultura familiar. Tanto é que 2014 será o Ano
Internacional da Agricultura Familiar pela ONU”.
Ele explica que não há como conciliar os dois modelos de produção
agrícola porque eles se contrapõem em sua lógica e essência. “A ganância
do agronegócio junto aos seus gigantescos recursos econômicos
inviabiliza outro tipo de agricultura, pois sempre buscarão incorporar
as terras dos camponeses e os recursos naturais a seu modelo de produção
de commodities. Nas duas últimas décadas mais de 6 milhões de pessoas
foram expulsas pelo agronegócio no campo brasileiro. E foram para as
favelas dos grandes centros urbanos. O agronegócio não gera emprego,
mais de 70% da mão de obra empregada no campo é da agricultura familiar,
e se apropria das pequenas e médias propriedades, uma vez que a
concentração de terras no Brasil segue aumentando ano a ano”.
Ele informa ainda que, no âmbito da produção de alimentos básicos, a
situação do Brasil é também considerada gravíssima. “De 1990 a 2011, as
áreas plantadas com alimentos básicos, como arroz, feijão, mandioca e
trigo, declinaram entre 20% e 35%, enquanto os produtos nobres do
agronegócio, como a cana de açúcar e a soja, aumentaram 122% e 107%. E
tudo voltado à exportação. Estamos tendo de importar até arroz e feijão
da China. Isso é alarmante”, alerta.
Em levantamento comparativo sobre os dois modelos, o MST demonstra,
com base nas informações do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), que o discurso de que o agronegócio é o modelo
responsável por alimentar o país e empregar a força de trabalho
camponesa cai por terra quando se olha os dados do meio rural
brasileiro.
Segundo o Censo Rural do IBGE, a maior parte da produção para
alimentação do povo brasileiro (70%) e emprego dos trabalhadores está na
agricultura familiar, mesmo esta tendo menos crédito e poucas terras. O
agronegócio, por sua vez, concentra terras, recebe mais créditos e
produz apenas 30% do que é consumido pela população. O resto da
produção, em sua maioria commodities, é exportado.
VI Congresso Nacional
Em fevereiro o MST vai realizar o seu 6° Congresso Nacional e nele,
segundo Rodrigues, irá consolidar a proposta sobre a Reforma Agrária
Popular. “Mais do que nunca a Reforma Agrária é urgente e necessária. No
entanto, é uma Reforma Agrária de novo tipo, o que chamamos de Popular.
Entendemos que a Reforma Agrária não é mais uma política voltada apenas
para a população o do campo. Ela é urgente e necessária para o conjunto
da sociedade como um todo”.
Em julho do ano passado, depois de analisar os resultados das ações
do governo pela reforma agrária e a luta do MST, João Pedro Stédile, uma
das lideranças do movimento, disse que aposta numa nova forma de luta
para se conquistar a reforma agrária. Para ele, essa nova luta têm de
ser por território e precisa incluir novas bandeiras, como direitos
indígenas, desmatamento, trabalho escravo e impactos da mineração.
*Gráfico: Site do MST
fonte:andes.org.br
fonte:andes.org.br
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