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segunda-feira, 9 de março de 2015

Tem que ter fé

Patético. É a única definição para o pronunciamento da presidente Dilma Rousseff, realizado no domingo. Ela se confundiu em conceitos básicos, manipulou números e estatísticas, distorceu os fatos, ocultou a verdadeira política do seu governo, protegeu os rentistas, jogou o custo da crise nas costas dos trabalhadores e, no fim de tudo isso, apelou para a fé como saída da situação que vivemos.

O único aspecto positivo do seu pronunciamento foi finalmente ter admitido que o país vive uma crise, apesar de minimizá-la. Faltou, entretanto, abordar a crise de ética, moral e honestidade que envolve integrantes do seu partido, dos seus aliados, do governo, do congresso, da falsa oposição e das elites. De uma classe política totalmente afastada da vida concreta do povo brasileiro.

O discurso foi tão desorientado que logo em seu início ela afirmou nosso povo estar “protegido para ganhar sua renda”. Desconhece que salário não é renda?

Foi mais longe ao dizer que “as medidas que estamos tomando para superá-las (os problemas) não irão comprometer as suas conquistas”. Mas como, se já comprometeram várias, como o auxílio-doença, a pensão das viúvas, o seguro-desemprego, a energia para as famílias carentes etc.? Em uma estimativa por baixo são mais de 20 milhões de brasileiros prejudicados só no primeiro ano.

Curiosa foi a sutil desconstrução da famosa marolinha do presidente Lula, ao admitir a dimensão da crise, tanto em nível internacional quanto nacional e a total incapacidade de compreendê-la, prevê-la e superá-la.

Agravante foi reconhecer outra incapacidade do governo, desta feita de ter preparado uma matriz energética capaz de suportar eventuais problemas, bem como a desfaçatez de pedir “paciência e compreensão” justamente para a parcela da população mais frágil, que passa por imensas dificuldades diante da falta e dos aumentos da energia, dos combustíveis e dos alimentos. Lembrou o discurso dos tecnocratas neoliberais gregos.

Mostrou-se tão sem rumo, tão à parte da sociedade brasileira, que pediu “confiem na condução deste processo, pelo governo, pelo congresso”. Dispensa comentários.

Foi hilária ao distorcer números e dizer que a China “reduziu seu crescimento à metade das metas históricas mais recentes”. Ora, nas últimas décadas o crescimento médio da China foi de cerca de 10% ao ano. Atualmente está em 7%. Mera aritmética desmente a presidente.

O cerne do discurso do governo é o mesmo que afundou as economias de vários países da Europa, como Irlanda, Bélgica, Itália, Espanha, Grécia, Portugal: a prioridade do pagamento da chamada dívida pública, do superávit primário, com seu voraz reflexo no Orçamento da União.

Ela admitiu: “As vezes temos que controlar mais os gastos para evitar que o orçamento saia do controle”. Controlar os gastos junto à população, diz ela, aos rentistas, jamais. Ela só vê distorções nos benefícios dos trabalhadores, dos rentistas não, apesar da Constituição determinar uma auditoria nessa pseudo dívida.

O Bradesco e o Itaú somados lucraram mais de R$ 35 bilhões somente no ano passado. No mesmo período demitiram quase oito mil bancários, fora os terceirizados. Mas para os banqueiros não há equidade de sacrifício, não existe o “cada um tem que fazer a sua parte”.

É lamentável que a assessoria da presidente tenha chegado ao ponto de enganá-la, na melhor das hipóteses, ao informar que 44 milhões de pessoas passaram a integrar a classe média. Com que patamar salarial? A mesma indagação serve para os pseudo microempreendedores, em verdade desempregados tentando sobreviver como podem.

A pérola fica por conta “dos melhores níveis de emprego e salários de nossa história”. Getúlio Vargas deve estar se remexendo na tumba.

Como o neoliberalismo quer abocanhar o quanto pode, ela ainda anunciou “novas concessões e novas parcerias com o setor privado”, ou seja, mais privatizações, mais benesses para o capital.

Ao pedir fé para a superação dos problemas, a presidente usou de má fé ao fazê-lo no Dia Internacional da Mulher, uma histórica data de lutas. Foi um pronunciamento em defesa das benesses da elite, em detrimento das trabalhadoras, das mulheres brasileiras e de todo o mundo.

Faria melhor se tivesse ficado calada.

Afonso Costa
Jornalista

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