Escrito por Elaine Tavares
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Sempre
fui renitente com os estadunidenses. Aquela coisa do preconceito que
vamos madurando dentro da gente e que, por vezes, torna-se cristalizado e
burro. Então, comecei a ler os livros de Gore Vidal e vi que por lá
havia vida inteligente. Mais tarde conheci Howard Zinn e, obviamente,
constatei que a história desse povo também é cheia de beleza e de gente
comprometida com a vida, com a verdade, com o bem de todos. Não dá para
confundir o governo e a elite podre com as pessoas de bem, que assomam
em milhares.
Uma
dessas tem me causado tristeza e ternura nos últimos dias. O bravo
soldado Bradley Manning. Sua carinha de menino, ainda cheia de espinhas,
caminhando entre os guardas, com o semblante imutável, definitivamente
certo de que fez o que tinha de fazer. Esse garoto era um analista de
inteligência lotado no batalhão de suporte da 2ª Brigada da 10ª Divisão
da Estação de Operação de Contingência, durante a Guerra dos EUA contra o
Iraque. Mais um desses meninos que são obrigados a servir num país
distante, travando uma guerra que não é deles, em nome de interesses
escusos.
E
tal como outros tantos soldados metidos nessas guerras estúpidas,
Bradley viu coisas que não pode suportar. Todas essas denúncias que são
feitas de terror, assassinatos, estupros, violências, torturas. Tudo
isso passou por ele nos dados que manipulava no computador. Premido pela
consciência, ele decidiu divulgar os horrores que eram praticados pelos
soldados no Iraque. Seu desejo era singelo: coibir os abusos.
Como
qualquer estadunidense comum, ele acredita em quase todas as histórias
de “mundo livre”, “democracia perfeita” e todas essas ideologias que o
governo martela todos os dias através dos meios de comunicação e outras
correias de transmissão. Ele sente orgulho em pertencer à armada de seu
país. Por isso era confuso ver o que via. Aquelas imagens que observava
no computador não fechavam com o ideal de mundo perfeito que tinha na
cabeça.
E
foi por conta desse soldado que o mundo pode ver imagens duras como a
da morte de uma dezena de civis, promovida sem qualquer pudor desde um
helicóptero. E outras tantas atrocidades que apareceram no sítio da
Wikileaks. Pois tudo o que Bradley queria é que esse terror tivesse fim.
Na sua ingenuidade, talvez, ele acreditou que o desvelamento da verdade
sobre o que acontecia no Iraque pudesse parar a máquina da morte.
Pois
o jovem soldado não sobreviveu à traição. Um informante que investigava
o caso dos vazamentos de informação conseguiu descobrir que era Bradley
a pessoa que havia desviado os documentos e os entregou às autoridades
estadunidenses. Ao contrário de Julian Assange ou Edward Snowden,
Bradley não teve para onde fugir. Foi preso e ficou confinado em
condições de detenção desumanas. Foi apresentado à nação como um
traidor. Virou o inimigo número um dos EUA. O “mundo livre” não podia
deixar barato o fato de ter tido sua máscara arrancada por um quase
guri.
Assim,
durante sua prisão, desde 2010, Bradley provou daquilo que via seus
companheiros fazerem com os “inimigos”. Foi submetido a tratamento
desumano. Segundo seu advogado, David Coombs, Bradley permanecia
trancado, sozinho, na cela, sem que tivesse roupas de cama, ou qualquer
outro objeto pessoal. Até seus óculos foram retirados. Tudo o que podia
fazer era caminhar em círculos dentro da cela vazia. Durante a noite,
era obrigado a tirar toda a roupa e entregá-la aos guardas. Dormia
apenas com a cueca. Uma suprema humilhação que visava destruir sua
autoestima e seu desejo de viver.
Nessa
semana o vimos de novo na televisão, durante seu julgamento. Acusado de
21 crimes diferentes, ele foi condenado a 136 anos de prisão. Seus
crimes se resumem num só: ele revelou a verdade sobre a guerra. Ele
tirou o véu da mentira, colocou a nu a podridão, o terrorismo, o
assassinato frio de homens, mulheres e crianças, gente civil.
E
ali estava ele, agora com 25 anos, sereno, ao ouvir a sentença. Talvez,
dentro do coração, ainda esteja cheio de perplexidade, porque tudo o
que queria era provocar o debate sobre o horror de uma guerra e os
excessos cometidos por seus companheiros. Bradley, ao contrário do que
dizem seus acusadores, queria salvar o seu “mundo livre”, limpá-lo das
manchas. Um garoto ingênuo e sonhador. Cometeu o terrível erro de tentar
salvar seu país. Deveria ser carregado nos braços como um herói pelo
seu povo. Deveria ser reverenciado por outros tantos jovens que, como
ele, partem para os confins da Terra lutando em guerras que nem
entendem.
Bradley
Manning nos deu as provas da verdade tão denunciada. Agora vai pagar
por isso, na solidão, certamente submetido a toda sorte de humilhações.
Por
conta disso, articulam-se em todo mundo comitês de apoio ao soldado que
pedem a sua libertação. É que as pessoas que lutam por um mundo justo
sabem que esse é um dever. Bradley arriscou tudo para nos dar a verdade.
Agora é hora de retribuir esse doloroso presente.
Elaine Tavares é jornalista.
Blog: Eteia.
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domingo, 20 de abril de 2014
Bradley Manning nos deu a verdade
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