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quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Cadê os companheiros?

Muito se fala do PT, ainda mais em véspera de eleição. Creio ser chegada a hora de publicar um acompanhamento com participação da vida política do país que faço desde meados dos anos 70; e que me permitiu ver nascer e crescer o PT, bem como ter, hoje, instrumentos e informações suficientes para analisar sua contribuição para o processo político nacional.
 
Para entender a origem do PT poderíamos voltar para meados dos anos 60, quando alguns militantes de esquerda aderem à luta armada contra a ditadura militar. Vários dos futuros fundadores, militantes e apoiadores petistas têm essa origem. São quadros oriundos do Partido Comunista Brasileiro (PCB).
 
Mas creio ser mais preciso viajar a 1972/73, quando se aproximava do fim o governo Médici, aquele que mais matou e torturou em toda a nossa história. Eram tempos bárbaros, do falso milagre econômico.
 
Do ponto de vista institucional, o deputado Ulysses Guimarães, do então MDB, a oposição consentida, lançava sua anticandidatura à Presidência da República, em repúdio ao autoritarismo e a eleição indireta, que possibilitava apenas a alguns membros do Exército disputar o poder.
 
Aqui uma observação: nunca, em momento algum, podemos generalizar a participação do Exército na ditadura implantada em 1964. A instituição é meritória de toda admiração e respeito, bem como a imensa maioria dos seus integrantes, mas houve um período em que seus comandantes infelizmente desrespeitaram a tradição e a honradez do Exército.
 
Concomitante com o lançamento da anticandidatura Ulysses, a ditadura desencadeia bárbara repressão contra o PCB: 11 integrantes do então Comitê Central foram assassinados, muitos outros foram para a clandestinidade, vários saíram do país, alguns sofreram a barbárie dos calabouços e da morte. Seus militantes foram perseguidos, em que pese o PCB jamais ter pegado em armas contra a ditadura, motivo alegado para perseguir os companheiros que aderiram à luta armada. Era simplesmente a guerra ideológica em andamento. Uma opção política e econômica.
 
É diante desse contexto que se prepara o novo governo militar que foi conduzido pelo general Ernesto Geisel, com a proposta de uma “abertura política lenta, gradual e segura”. Não vou abordar o contexto internacional em que tal posição de dá para não alongar o texto, mas em âmbito nacional era perceptível que os governos militares perdiam apoio da classe média e de parte da elite interna, baluarte das passeatas e manifestações que culminaram com o golpe de 1964.
 
Nessa conjuntura conturbada surge uma nova liderança sindical em São Bernardo do Campo, justamente em meio das montadoras de automóveis, algumas das responsáveis pelo golpe militar devido a quebra da política de remessa de lucros adotada pelo governo Jango Goulart. É no mínimo curioso que aquelas multinacionais tenham permitido o nascimento de operações tartaruga e a reorganização do sindicato, em um período de ampla repressão a quaisquer direitos democráticos.
 
Muitos apontam o dedo da CIA e do general Golbery do Couto e Silva. É curioso que ao mesmo tempo no qual a ditadura tentava aniquilar o único partido a fazer política de oposição real ao regime, com tradição e seu maior líder no exílio, um dos mais populares da nossa história – Luís Carlos Prestes - possibilitava o nascimento de uma liderança sindical, que logo vem ter o apoio de intelectuais e ex-militantes da luta armada. Isso sem contar o suporte de parte da Igreja Católica.
 
Durante o governo Geisel começam as campanhas pelo fim da tortura, das prisões, pela anistia ampla, geral e irrestrita, pela assembléia nacional constituinte livre, soberana e democrática. Ao mesmo tempo cresce o movimento sindical em São Bernardo do Campo, e um líder metalúrgico começa a ganhar destaque na imprensa. Um líder tão “preparado” que chegou a ter cerca de 20 assessores de imprensa na entidade que presidia. Já estava em andamento um projeto de longo prazo.
 
A pressão popular foi tanta que o governo jogou a moeda para cima e tirou cara e coroa ao mesmo tempo: cedeu à pressão da sociedade por mais liberdades e, ao mesmo tempo, resguardou-se para manter o poder período suficiente para ser substituído por uma “oposição” confiável. Mais: conseguiu fazer a moeda ficar em pé, ao atacar seriamente o verdadeiro inimigo de classe e auxiliar na criação de lideranças trabalhistas que lutavam apenas por reivindicações econômicas, não lutavam por democracia, quiçá pela verdadeira transformação social.
 
Foi uma jogada de mestre, pela qual o país até hoje paga o pato. Senão, vejamos:
A anistia ampla, geral e irrestrita foi alcançada, mas também beneficiou (?) os torturadores e assassinos, que “serviram” fielmente à ditadura. A assembléia nacional constituinte livre, soberana e democrática não foi realizada a partir de eleições livres, mas sim de regras eleitorais impostas pela ditadura, com o beneplácito da burguesia, a impedir a verdadeira participação popular. Os partidos que hoje temos, os horários de televisão, os deputados, prefeitos e governadores, de uma maneira em geral, são fruto dessa armação arquitetada contra qualquer mudança real no país. A eleição direta para presidente da República foi postergada, ficando a escolha da Presidência ainda uma última vez a cargo do colégio eleitoral. E caí – será que por coincidência? – no colo de José Sarney, antigo colaborador e apoiador da ditadura.
 
Em suma, as principais reivindicações da política nacional foram “atendidas”, mas não de forma a atender o clamor popular e as necessidades do país.
 
Diga-se de passagem que as posições do PT durante esse período foram sempre as mais atrasadas. Foi contra a anistia e a constituinte aprovadas, expulsou militantes seus que participaram do colégio eleitoral, foi o último a entrar na campanha pelas diretas já. Durante todo esse período sua prioridade era a luta por melhores salários, a chamada luta economicista, que a literatura aponta com toda tranquilidade não levar a transformação social nenhuma, pelo contrário, se isolada da luta política, representa o atraso para as verdadeiras transformações.
 
Aquele PT avesso a alianças, que torcia o nariz por avanços táticos, que programaticamente se dizia socialista, entretanto, desapareceu. Em seu lugar apareceu um outro partido, que não tinha mais reuniões de núcleos a hipoteticamente definir seus rumos. Não. Ou já era e ficou claro, ou não era e surgiu, um grupo dominante, com experiência política, recursos – muitos falam de financiamento por parte da social democracia alemã – determinação e ambição desmedidas. Assim, esse grupo começa a direcionar o PT e a dominar cada vez mais sindicatos, apelando para as mais baixas práticas políticas, ao mesmo tempo em que começa a participar de câmaras de vereadores, assembleias legislativas, do congresso nacional, de prefeituras e governos estaduais. Enfim, começa a se preparar para ser governo, independente do custo financeiro e, principalmente, político. E aí Genuíno vira amigo do Luís Eduardo Magalhães, a Benedita da Silva aluga ônibus e distribui lanches para ganhar prévias no PT, seu presidente começa a fumar charuto cubano e a beber whisky, ao invés da tradicional branquinha, desaparecem os macacões e surgem as calças jeans e os primeiros ternos, com direito a gravata e tudo. Era o fim da utopia ou a verdade por trás da máscara?
 
O aliciamento de lideranças em ascensão através de práticas fisiológicas, a utilização da máquina sindical para eleição de seus parlamentares nas três esferas, a busca pelo poder a qualquer custo fazem o companheirismo crescer e substituir a antiga camaradagem dos trabalhadores. A luta ideológica é substituída pela “falta de vontade política”, expressão tantas vezes utilizada pelo ex-metalúrgico, hoje um rico homem de classe média alta.
 
Cabe ressaltar a primeira eleição livre para presidente, em 1989. No segundo turno a candidatura Lula conseguiu um fato antes impensável: unificou toda a esquerda contra Collor de Melo. A derrota veio capitaneada pela rede Globo, em um sujo jogo de marketing, com manipulações das mais vis. É nesse momento que se dá a ruptura do Partido dos Trabalhadores com as verdadeiras necessidades de transformação do povo brasileiro.
 
Esse processo culmina com o seu clandestino congresso de março de 2002, realizado em Pernambuco, ano da eleição do seu primeiro presidente da República, que representa o marco definitivo, o rompimento do PT com as aspirações populares e a adoção de uma política pragmática, voltada única e exclusivamente para alcançar e manter o poder.
 
Quando de sua vitória naquele mesmo ano, o PT teve a oportunidade histórica de dar uma guinada na política nacional, entretanto, optou por “acalmar” o dito “mercado e os investidores” e manteve a política econômica neoliberal. Escolheu não caminhar da mesma maneira que o fazem Hugo Chaves, na Venezuela; Rafael Correa, no Equador; Evo Morales, na Bolívia e até os Kirchner, na Argentina. Apoio popular o presidente recém eleito tinha, mas não era seu objetivo confrontar ou sequer molestar o capital.
 
Um pequeno detalhe demonstra essa guinada: a assessoria parlamentar do PT no congresso era extremamente competente, composta por profissionais muito preparados. Ali se encontravam informações, dados, estudos completos que lhe permitiram durante muitos anos realizar uma verdadeira oposição aos governos Collor, Itamar e FHC. Curiosamente todos os dados foram “escondidos” após o seu congresso de março de 2002. Aquelas posições não podiam mais ser divulgadas.
 
A oposição sistemática e implacável ao PSDB nada mais foi e é que a disputa entre duas faces de um mesmo rosto. Representa o capital concorrendo com dois favoritos, para não haver hipótese de ser derrotado.
 
 
O governo não está em disputa, mas a serviço do capital
 
O PT é composto por diferenciadas correntes políticas. Pertencem a predominante o ex-presidente Lula e o ex-ministro José Dirceu. Muitos dos quadros do primeiro e segundo escalão e vários parlamentares, inclusive muitos dos oriundos do movimento sindical, são dessa mesma linha de ação.
 
Existem, entretanto, outros segmentos organizados no seio do PT. Todas essas organizações justificam algo em comum: defendem as posições conservadoras do governo Lula e Dilma pelo fato do mesmo encontrar-se em “disputa”. É a desculpa que apresentam para não se confundir com os tradicionais setores atrasados da política nacional.
 
Identificam tal “disputa” como uma queda de braço entre os setores progressistas da sociedade – nos quais se incluem – e os setores conservadores da base governamental, que inclui entre outros os ex-presidentes Sarney e Collor. A aliança com Maluf, como ele mesmo disse, já vem desde a primeira eleição de Lula. Nesse conservadorismo detectam o PSBD e seus aliados como os mais retrógrados.
 
Segundo eles, essa “disputa” não permite romper com o capital, pois seria a perda da maioria no congresso, o que impediria a “governabilidade”, com prejuízos para as classes de menor poder aquisitivo beneficiadas com programas como o Bolsa Família, a pequena recuperação do salário mínimo e outras políticas compensatórias adotadas nos últimos 10 anos.
 
Em verdade são a máscara a encobrir sua aliança com o capital e, portanto, em detrimento dos trabalhadores e do povo brasileiro. É o famigerado populismo. Se durante os governos Lula isso já era detectado, nesses dois anos de Dilma tal estratégia tornou-se mais clara e, lamentavelmente, perigosa. O Brasil não tem mais a sua tradicional política externa, de apoio e integração com os países do Terceiro Mundo, contrário a qualquer tipo de intervenção na autodeterminação dos povos. O caso Haiti é sintomático. É a retomada de uma visão que prioriza a aliança com os EUA em detrimento do Bric, que começa a perder o “Bê”.
 
Na política interna a preservação do meio ambiente, em especial da Amazônia e do Cerrado, são letras mortas. A hidrelétrica de Belo Monte e as cinco previstas para a região do alto Tapajós – provavelmente a mais preservada do Norte, inclusive sob o ponto de vista das nações indígenas que lá vivem – são claros exemplos de que o agronegócio é prioritário para o governo. É a lógica do capital: dane-se o meio ambiente e os povos autóctones, o que vale é o lucro.
 
A política econômica continua a mesma do governo FHC, de privatizações, prioridade absoluta para o pagamento das dívidas externa e interna, maquiagem de dados sobre o PIB, o desemprego etc. e todos os temas que contrariem tal primazia. A batalha travada no congresso para não destinar 10% do PIB para a educação é mais uma óbvia demonstração de tudo isso.
 
Quanto à política propriamente dita, as alianças com Sarney, Collor, Renan Calheiros, Maluf, Sérgio Cabral e tantos outros falam por si só. Os próprios governos estaduais nas mãos do PT demonstram que a visão passada de lutar ao lado dos trabalhadores acabou. Que o digam os professores gaúchos, cujos salários são inferiores ao já pífio salário nacional de cerca de R$ 1.400,00 mensais. O hoje governador e ex-ministro Tarso Genro não atrasa o pagamento dos banqueiros, mas reprime duramente os professores que lutam pela sua sobrevivência e dignidade. A greve de vários setores dos servidores públicos contrapostas pelas medidas coercitivas adotadas pelo governo Dilma e as propostas colocadas na mesa de negociação nos levam a uma única e inexorável conclusão: não existe mais companheiro. Persiste apenas a luta de classes. O PT não é mais um partido de esquerda. Abriu mão da causa.
 
 
Cazuza Macedo
Jornalista

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