Felipe Coutinho* março 2016
O Brasil vive dias turbulentos e faz parte de um mundo controlado pelo
capital financeiro e em crise. São crises na ordem econômica, ambiental,
humanitária, diplomática, além da barbárie das guerras. Povos são divididos
pelo acirramento das diferenças religiosas, étnicas, culturais, da língua que se
fala e da origem imigrante ou regional. Não percebem que são manipulados,
jogados uns contra os outros, enquanto se disputa a nova partilha do poder
político para atender a interesses econômicos particulares.
Quando as taxas de lucro médias diminuem, se a economia não cresce,
enquanto as dívidas se acumulam, os recursos naturais ficam escassos e caros
de se obter, quando novos assalariados baratos não são incorporados em
número suficiente, é nesta conjuntura que a conciliação entre interesses
contraditórios fica mais difícil. Nestes momentos já não é possível conciliar
salários em crescimento, pleno emprego e direitos sociais com a concentração
dos capitais. Frações entre os capitalistas, empreiteiros cartelizados,
banqueiros oligopolistas e concessionários dos meios de comunicação, e de
outros serviços públicos, disputam o Estado para obter maiores vantagens
relativas. A balança entre a influência dos capitais de origem estrangeira e
nacional no aparato de Estado se ajusta. A participação direta do Estado no
capitalismo produtivo e financeiro muda à serviço de quem dá a nova direção.
A corrupção, em seus aspectos legais e ilegais, é o resultado da busca
pelo maior lucro possível na disputa entre empresários ou banqueiros. Não é a
principal causa dos males daqueles que vivem do trabalho honesto e do
salário, é o resultado sistêmico da organização econômica na qual muitos
trabalham e poucos, cada vez menos, acumulam. Periodicamente a corrupção
é descoberta, alguns agentes são punidos, políticos expurgados ou presos, são
apenas os fusíveis que quando queimados preservam o funcionamento do
sistema. Os meios e as motivações para promover a corrupção ficam
intocados. A propriedade das empresas corruptoras e dos bancos que lavam
mais branco são preservadas. A concentração do capital, a busca pelo lucro
máximo e a tendência à formação de cartéis segue seu rumo.
Os assalariados, os trabalhadores autônomos e os pequenos
empresários estão assistindo à reedição do espetáculo do combate à
corrupção no Brasil. Muitos são manipulados para uma espécie de catarse
coletiva e falso moralista, ou para se solidarizar à vitimização de lideranças
políticas. Os verdadeiros interesses da maioria da população ficam nublados
diante da falsa polarização, na miséria da política brasileira. Cínicos declaram
“Nunca houve tanta corrupção”, hipócritas retrucam “Nunca a corrupção foi tão
combatida”. Aparatos jurídico-policiais e midiáticos cometem excessos, desde
prisões preventivas até a delação, investigação e vazamento seletivos, violação
da comunicação entre investigados e seus advogados, além dos prováveis
grampos ilegais. Governa-se com a política econômica, antes condenada, do
adversário derrotado.
A direção do espetáculo está sob controle do capital internacional. Na
agenda política a entrega do pré-sal às multinacionais, a privatização das
estatais, a menor participação do Estado no setor financeiro, a contra reforma
da previdência, a abertura das licitações públicas às multinacionais da
construção civil, a prioridade ao pagamento dos juros da dívida pública, o fim
da valorização real do salário mínimo, a desindustrialização, o fim dos
programas nuclear e espacial brasileiros, os acordos de livre comércio com
EUA e Europa, além do afastamento do Brasil em relação aos BRICS e à
América Latina. Ainda na agenda, a legalização da terceirização nas atividades
fins das empresas, a lei “antiterrorismo” para repressão aos movimentos
sociais e a independência formal do Banco Central em relação aos governos
eleitos, para legalizar sua subordinação aos banqueiros privados. Esta agenda
pode ser imposta à atual presidenta, ou ser adotada por outro que se
estabeleça, caso a maioria da população permaneça alienada em relação ao
que está realmente em jogo.
]Democracia é um conceito abstrato, mas simpático à maioria das
pessoas. Nela cabe quase tudo, desde eleições periódicas na qual escolhemos
entre os pré-selecionados dos banqueiros, até a participação direta na
definição do orçamento público. A democracia real requer justiça econômica, e
só será possível quando a democracia alcançar os locais de trabalho, os
bairros, as escolas, os orçamentos públicos, os meios de comunicação, os
processos legislativo e judicial. Democracia real é democracia cotidiana, desde
a hora que acordamos até quando dormimos. Neste momento, de tanta
desilusão e ameaças de retrocessos, alguém pode me criticar por estar
“deslocado da realidade”. Respondo que a ilusão é acreditar que a conciliação
dos interesses dos banqueiros internacionais, dos empreiteiros cartelizados e
dos assalariados pode ser duradoura. Para se construir uma sociedade
harmônica e digna é preciso eliminar as causas sistêmicas da corrupção, e
aumentar a participação popular para qualificar a democracia.
* Presidente da Associação de Engenheiros da Petrobrás (AEPET)
http://www.aepet.org.br/
https://felipecoutinho21.wordpress.com/
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