PCB-RR

segunda-feira, 29 de maio de 2023

REFLEXÕES SOBRE JUNHO DE 2013

*Gerardo Santiago


A uma década das Jornadas de Junho de 2013, dizer o que? Para começar, não foi uma jabuticaba. Foi um evento que se insere em uma onda internacional de revoltas populares, da Grécia em abril de 2010 até o Chile em outubro de 2019, consequências diretas da crise da ordem neoliberal iniciada em 2008 e que contestavam os paradigmas macroeconômicos hegemônicos.   

Olhando para o Brasil de 2013, qual era o cenário? A Constituição "cidadã" que prometia um estado de bem estar social estava fazendo 25 anos sem cumprir suas promessas. O Partido dos Trabalhadores (PT) completava dez anos no governo, tendo deixado de ser um partido inimigo da ordem neoliberal para se adaptar a essa mesma ordem. A histórica relação do partido com os movimentos sociais passou a ser um elemento de contenção e moderação dos segundos. A classe dominante brasileira tolerava o lulismo e suas políticas sociais compensatórias muito por conta da capacidade de manter a "paz social". Até junho de 2013. 

Foi uma revolta de massas e com um perfil urbano e jovem. Seus detonadores foram a questão das tarifas do transporte público e a violência policial, coincidindo nisso com o "estallido social" chileno de seis anos depois. 

As bandeiras difusas e diversas levantadas em junho eram progressistas e tomadas em seu conjunto uma cobrança daquele estado de bem estar social prometido em 1988 e nunca entregue: hospitais "padrão FIFA", educação e transporte públicos idem.

É mentira que a direita tenha dado o tom das manifestações naquele junho, ela só conseguiu deslocar a pauta para o tema da luta "contra a corrupção" em setembro, com a bandeira de rejeição da PEC 37, que proibia o Ministério Público de fazer investigações criminais. A essa altura as ruas já estavam relativamente esvaziadas.

A contradição entre a enorme quantidade de recursos públicos alocados para a realização da Copa do Mundo de 2014 e a precariedade dos serviços prestados pelo estado brasileiro à população, exposta pela efervescência das ruas, tornou evidente que o "padrão FIFA" exigido para os estádios de futebol não existia nos hospitais e nas escolas públicas. 

Assim como em outros momentos da História do Brasil, a reação da classe dominante e seu aparato estatal diante do levante popular foi extremamente violenta. Em São Paulo, por trás da brutalidade policial estavam dois personagens hoje tidos como defensores da democracia, o então governador Geraldo Alckmin e seu secretário de Segurança, Alexandre de Moraes, o Xandão. No Rio de Janeiro (governo Sergio Cabral com a participação do PT), além da brutal repressão nas ruas a PM da UPP da Rocinha fazia "desaparecer", no pior estilo da ditadura, o pedreiro Amarildo. Talvez o emblema dessa reação violenta praticamente unânime do establishment ao descontentamento que transbordava nas ruas tenha sido a tuitada do ator Zé de Abreu ("Vai, PM!") aplaudindo a repressão violenta contra as manifestações.     

Para tentar resumir as Jornadas de Junho de 2013 em poucas linhas: foi um momento de acirramento agudo da luta de classes que tornou inviável a continuidade do arcabouço político da "Nova República" baseado na "polaridade" entre PT e PSDB. 

O bolsonarismo é resultado de 2013? Não como os adeptos das teorias conspiratórias do "ovo da serpente" e da "guerra híbrida" afirmam, mas não deixa de ser no sentido de que na política e na luta de classes que está sempre por trás dela, não existe vácuo. Como o lulismo não era mais garantia da "paz social" a classe dominante podia descartá-lo, o que fez no golpe parlamentar contra Dilma. Como as Jornadas de Junho haviam mostrado que uma insurreição popular ainda era uma possibilidade no horizonte, o advento do bolsonarismo foi a forma das oligarquias dizerem que o fascismo também o era. E por aí vai. A História desmente os liberais que decretaram o seu fim e prossegue impávida. A luta de classes também e por mais que se queira escondê-la, negá-la ou limitá-la a uma institucionalidade feita à imagem e semelhança da classe dominante, ela mais cedo ou mais tarde encontra o rumo das ruas.

*Gerardo Santiago é Aposentado do BB, Advogado e Militante PCB.

Nenhum comentário:

Postar um comentário