Escrito por Ney Nunes |
Uma parcela importante da intelectualidade e da militância política
situada na margem esquerda do petismo incorporou o discurso do golpe no
que se refere ao afastamento da presidente Dilma Rousseff. Esse fato
talvez seja o maior ganho político do PT em todo o contexto de grandes
derrotas para o partido do ex-presidente Lula.
Se analisarmos o processo de impeachment em curso como um golpe de
Estado reacionário, não caberiam tergiversações entre aqueles que se
reivindicam da esquerda revolucionária: a única resposta política
coerente seria um alinhamento incondicional com o governo ameaçado na
luta contra os golpistas, independentemente de diferenças
político-estratégicas, ou seja, uma frente única que objetivasse barrar o
golpe, caso contrário, essa adesão à narrativa do golpe serviria,
essencialmente, para legitimar o petismo enquanto oposição de esquerda
ao novo governo burguês de plantão.
Não se trata aqui de um pormenor semântico ou de um preciosismo
conceitual. A caracterização política equivocada, nesses casos, quase
sempre resulta em táticas desastradas no tabuleiro político e no terreno
da luta de classes. Por falar nessa velha senhora, é recomendável
identificarmos os interesses e as frações de classe envolvidas na
disputa em torno do Palácio do Planalto.
Até o advento do segundo mandato da presidente Dilma, os governos
petistas lograram acomodar os interesses das diversas frações da
burguesia, desde os onipresentes banqueiros aos agronegociantes,
passando pelos megaempreiteiros e chegando aos “capitães” da indústria
paulistana. Essa orquestra tocava afinada, pelo menos até o “Titanic”
começar a balançar com o crescimento da “marolinha” no mar bravio da
crise capitalista mundial.
O respiro na economia brasileira, após o susto da crise dos títulos financeiros subprime
de 2008, não duraria muito. A desvalorização das commodities e a fuga
dos capitais mais voláteis erodiu o castelo de cartas do Brasil
“potência emergente”. Logo, a política de conciliação de classes, que
servia migalhas aos de baixo, enquanto negociava a divisão do butim com
os de cima, se mostrou insuficiente diante da nova conjuntura. Os
setores burgueses hegemônicos pressionaram por uma correção de rumos que
permitisse defender seus lucros e transferir os prejuízos para os
ombros largos da classe trabalhadora. O novo mantra era: ajuste fiscal
com reformas trabalhista e previdenciária.
A presidente, logo após sua apertada vitória eleitoral, tratou de
atender aos reclamos do grande capital, jogando na lata do lixo suas
bravatas de campanha e incorporando a agenda dos seus adversários
neoliberais. Para não deixar dúvidas, chamou um executivo do Bradesco
para comandar a política econômica. Mas as dificuldades em negociar com a
sua base política medidas mais duras contra a classe trabalhadora,
somadas aos escândalos de corrupção turbinados pela Lava Jato, minaram
sua popularidade e o respaldo burguês ao seu governo.
Consolidou-se uma maioria parlamentar oposicionista no Senado e na
Câmara dos Deputados e, assim, o caminho estava livre para, através de
manobras políticas e intensa campanha midiática, desfechar o afastamento
da presidente. A alternativa escolhida pela nova maioria parlamentar
foi o processo de impeachment, ferramenta do arsenal jurídico-político
burguês que já tinha sido utilizada nos anos 90 contra o então
presidente Collor.
Elevar essa manobra típica do jogo sujo da política burguesa à
categoria de golpe de Estado, fazendo comparações absurdas com o golpe
de 64 e até mesmo com a ascensão do nazismo na Alemanha, quando
efetivamente à derrubada do governo seguiu-se o desmantelamento do
regime político vigente (democracia burguesa) e a imposição de outro
(ditadura), inscreve-se na tentativa de construir uma narrativa farsesca
com claros objetivos políticos, nesse caso, a relocalização do petismo
enquanto força hegemônica no campo da oposição de esquerda.
Registre-se, para desespero das viúvas de 64 que saíram eufóricas do
túmulo político para as manifestações pró-impeachment, a fazer apelos
patéticos aos militares em favor de um golpe de Estado, que os tanques
ficaram nos quartéis, o Congresso e demais instituições não foram
fechados, os sindicatos não sofreram intervenção e os censores não
voltaram às redações.
Nesse contexto, reduzir a discussão ao crime de responsabilidade
supostamente cometido pela presidente é característico do pensamento
moralista pequeno-burguês, ideologia dos fariseus que valorizam a dita
“democracia”, o “Estado de direito”, como uma ética universal onde
prevaleceriam os valores justos e democráticos. As votações do
impeachment na Câmara e no Senado são desdobramentos da disputa política
entre as facções do bloco político burguês hegemônico. Elas não foram
exceção à regra, pelo contrário, confirmam a regra!
O chamado estado de direito não é democrático nem justo, é, isto sim,
um regime de dominação de classe instituído para melhor garantir a
exploração capitalista, onde a burguesia impõe as regas do jogo e as
modifica de acordo com seus interesses, sempre que a correlação de
forças permite.
O governo Temer, resultante do impeachment, precisa e deve ser
combatido porque vem para aprofundar os ataques à classe trabalhadora,
ataques que o governo anterior planejou e iniciou, mas não teve
condições políticas de aplicar a fundo, como exige o grande
empresariado. O fato de tal governo não ter sido eleito diretamente e de
já nascer borrascado pela corrupção favorece a nossa luta, mas nossa
crítica precisa ir muito além.
A nossa alternativa de poder aponta para a superação da democracia
burguesa, um regime político antidemocrático que objetiva perpetuar a
exploração capitalista e as injustiças contra o povo trabalhador.
Ney Nunes é membro do Comitê Central do PCB.
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PCB-RR
segunda-feira, 6 de junho de 2016
Farsantes, golpistas e fariseus
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