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terça-feira, 18 de julho de 2023

Existem Bastilhas a serem incendiadas e uma aristocracia a ser derrotada. Na França e no mundo.

*Gerardo Santiago

O que acontece na França é um emblema da profunda crise da ordem capitalista neoliberal global inaugurada com o desfecho da Guerra Fria. Essa ordem tem como alicerces uma liberdade quase absoluta para o capital, combinada com a retirada de direitos sociais e trabalhistas, precarização do trabalho, empobrecimento da esmagadora maioria das pessoas e encolhimento ou mesmo a extinção do estado protetor e benfeitor social. É o que vem sendo feito há quatro décadas e com mais voracidade após setembro de 2008, quando se inicia uma crise que ainda não se resolveu. O discurso que justifica essa ordem é essencialmente aquele que considera o capitalismo neoliberal, combinado com a forma política da democracia liberal representativa, como o "fim da História".   

Na França de Macron, durante o governo dele, iniciado em 2017, a fortuna dos 500 (quinhentos) indivíduos mais ricos do país passou de 500.000.000 (quinhentos bilhões) de euros ao obsceno montante atual de 1.170.000.000 (um trilhão e cento e setenta bilhões) de euros! 

No entanto, um alegado déficit na previdência pública teve como resposta do governo uma reforma da previdência que obriga os trabalhadores a dois anos mais de labuta antes de poderem se aposentar. Um tributo de apenas 2% sobre as fortunas dos 500 mais ricos poderia financiar que os trabalhadores se aposentassem dois anos mais cedo. 

Ao vigoroso movimento popular contra a reforma previdenciária, Macron respondeu primeiro a impondo por decreto "emergencial" para prevenir sua possível rejeição no Parlamento. E ao povo protestando nas ruas, com uma brutalidade policial que se fosse cometida em Pequim ou em Havana faria a mídia corporativa falar em "ditadura" e "autocracia". 

A coisa não para por aí. Em um episódio que de forma nenhuma é novidade, um policial assassinou um adolescente desarmado de 17 anos, Nahel Merzouk, e em consequência explodiu uma revolta popular em protesto. 

Macron respondeu a essa revolta culpando os videogames e os pais dos jovens rebelados, a mídia corporativa enfatizou a violência dos protestos e ambos deixaram de falar que o conflito começou com mais uma indefensável violência do estado, um crime cometido por um membro de seu braço armado. 

Em nível político e partidário, tentou-se criar um "arco republicano" que fizesse um pedido por "calma" e "paz", pelo fim dos protestos, como se o problema fosse a violência deles e não as suas causas. Felizmente o partido "França Insubmissa", de esquerda, se recusou a participar dessa farsa e deixou claro que o que está acontecendo é luta de classes, ainda que se evite chamá-la assim. Por outro lado, outros setores da canhota gaulesa caíram na arapuca. 

A extrema direita, por seu lado, fala em "guerra de civilizações", "guerra civil" e reivindica que a polícia tenha na prática licença para matar os "que não se sentem franceses", se referindo aos jovens rebelados da periferia, negros ou de origem árabe. 

A indignação do establishment político e midiático não se volta contra a extrema direita, contra o fascismo que escancara o seu racismo, mas sim contra a esquerda que se recusa a pedir "paz e calma" aos que tem motivos de sobra para se revoltar. Nada espantoso, porque esse establishment está nas mãos, ou melhor, nos bolsos daqueles 500 bilionários, para os quais o fascismo é uma alternativa mais atraente do que a politização da revolta popular, o que poderia adquirir contornos de uma revolução. 

Uma coisa é certa, neste século XXI existem Bastilhas a serem incendiadas e uma aristocracia a ser derrotada. Na França e no mundo.

*Gerardo Santiago é Aposentado do BB, Advogado e Militante PCB.


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