*Paulo Schueler
Em recente viagem a Bogotá, durante
evento organizado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o
ex-presidente Lula afirmou que “A América Latina não precisa mais da
espada de Bolívar; precisa de crédito".
A frase, que já representaria uma
afronta à manutenção da soberania de nossos povos em um momento de
exacerbação da crise do capitalismo, crise energética mundial, que traz o
cenário nem tão longínquo de disputa por fontes de água potável e
agressão imperialista, torna-se ainda pior com o anúncio, quase
simultâneo, de que Brasil e Colômbia assinaram acordo militar para
“monitoramento” das fronteiras comuns – meses após Brasília ter assinado
acordo de cooperação militar com Washington e com a demonização
crescente das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) e de sua
forma de atuar na luta de classes colombiana.
A América Latina, continente no qual a
mobilização popular de alguns povos levou às eleições de governos
progressistas na Venezuela, Bolívia, Equador e Peru; território que
detém o Aquífero Guarany e amplas reservas comprovadas de petróleo e
minérios, local onde está localizada a maior floresta tropical do
planeta e seu incalculável estoque de biodiversidade, precisa talvez
como em poucos momentos de sua história ter em punhos a espada de
Bolívar, assim como o legado de José Marti, para se defender da
possibilidade crescente de intervenção externa em seus destinos – cujo
maior exemplo, aliás, é a interferência de Washington sobre a vida dos
trabalhadores da Colômbia.
Integração para o capital...
No evento organizado pelo BID, Lula
afirmou que é o momento de nós latino-americanos “pensarmos em nós
mesmos” para uma platéia de 500 empresários e altos funcionários da
Colômbia e do Brasil.
Entre eles, o ministro das Comunicações
do Brasil, os governadores de Rio de Janeiro, São Paulo e Pernambuco, e
empresário Marcelo Odebrecht (Odebrecht) e José Sergio Gabrielli
(Petrobras), além de Luis Carlos Sarmiento (Grupo Aval), Germain
Efromovich (Avianca) e Carlos Raul Yepes (Bancolombia).
Falava não de nossos povos, mas das
possibilidades de exploração do trabalho que deveriam ser abertas às
burguesias dos dois países. Não à toa, deu o “caminho das pedras” aos
empresários presentes: grandes investimentos devem ser feitos em
barragens, usinas hidrelétricas, estradas, oleodutos, nos
biocombustíveis e no setor automotivo. Segundo ele, nisso “repousa a
integração”.
Ao defender “crédito”, Lula na verdade
solicitou que os Estados nacionais do continente financiassem a
manutenção e elevação do lucro de grupos empresariais ligados a estes
setores, como o BNDES brasileiro já faz com empreiteiras e montadoras.
Foi o ventríloco mercador de interesses privados, remunerado por isso a
preço de ouro em suas recentes e já famosas “palestras” ao mundo
empresarial.
A “integração” que deseja é a citada
pelo banqueiro Luis Carlos Sarmiento, que deseja um Tratado de livre
comércio entre os dois países e a possibilidade de o empresariado
colombiano se associar à Bovespa, bolsa de valores brasileira, para
“abrir caminho para o mercado de capitais”.
O pior é que tais negociatas já
começaram: a Petrobras vai investir 430 milhões dólares na Colômbia, e
em 2012 começará a perfuração de um poço no Caribe colombiano. A
companhia brasileira objetiva ainda comprar uma participação na
Ecopetrol colombiana. Na Colômbia, a Petrobras já tem uma produção de 40
mil barris diários de petróleo em 16 blocos.
Já Sarmiento iniciou visitas e contatos
com os bancos brasileiros Bradesco e Itaú para “importação” de
estratégias na gestão de tecnologia, além, é óbvio, da estratégia de
ferrenha exploração do trabalho, como ocorre com os bancários
brasileiros. Não apenas dos bancos privados. Presente ao evento em
Bogotá, o vice-presidente de Negócios Internacionais do Banco do Brasil
(BB), Allan Simões Toledo, afirmou que o BB instalará seu escritório de
representação naquele país em 2012.
... e repressão aos lutadores
Poucos dias depois do convescote
burguês, os governos do Brasil e da Colômbia assinaram em Tabatinga
(Amazonas) acordo para realizar ações conjuntas e coordenadas na
fronteira comum, com a criação da Comissão Binacional Fronteiriça
(Combifron) e a adoção do Plano Binacional de Segurança Fronteiriça.
Trata-se de uma indisfarçada estratégia
de apoio militar brasileiro à repressão da insurgência colombiana, em
colaboração com o exército da Colômbia e sua chefia imediata – o
imperialismo norte-americano.
Apesar do discurso no lado brasileiro da
fronteira ser de controle da segurança nacional, o discurso do ministro
da Defesa colombiano, Rodrigo Rivera, não deixa dúvidas: “Será
compartilhada inteligência e experiência entre as forças dos dois
países, e serão realizadas operações coordenadas entre os militares e os
organismos de segurança contra as ameaças, cada um em seu território. O
mundo deveria condenar as Farc pela depredação de nossas selvas para
suas atividades criminosas”, declarou Rivera.
Palavras do lacaio sobre o uso do “agente laranja” pelos EUA? Obviamente que não.
*Paulo Schueler é membro do Comitê Central do PCB e editor do Imprensa Popular
21/08/2011.
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