PCB-RR

terça-feira, 21 de maio de 2024

Vocação Subalterna

 


*Ney Nunes

"A experiência das alianças, dos acordos, dos blocos com o liberalismo social-reformista no Ocidente e com o reformismo liberal (democratas-constitucionalistas) na revolução russa, demonstrou, de maneira convincente, que esses acordos não fazem senão embotar a consciência das massas, não reforçando, mas debilitando o significado real da sua luta, unindo os lutadores aos elementos menos capazes de lutar, aos elementos mais vacilantes e traidores."¹


É pura perda de tempo esperarmos que indivíduos, partidos ou classes sociais, impregnados de uma vocação subalterna, expressem qualquer proposição que avance além da dependência e da colaboração com propostas e projetos das classes dominantes.


Esse é o caso da pequena burguesia, seja ela proprietária dos meios de produção ou assalariada (vulgarmente denominada classe média). Em todo o desenvolvimento histórico do capitalismo a pequena burguesia nunca pretendeu substituir a classe dominante. Nos períodos de calmaria da luta de classes, quando uma certa estabilidade econômica e política prevalece, a pequena burguesia apresenta-se geralmente atrelada aos partidos da grande burguesia. Já quando esse sistema entra em crise, a luta de classes e a polaridade política agudizam-se, é muito comum ocorrerem embates onde segmentos pequeno-burgueses ficam dilacerados entre a grande burguesia e o proletariado. Nos dois casos, estabilidade ou crise do sistema, não se verifica um projeto de poder independente da pequena burguesia com relação às duas classes fundamentais no capitalismo. 


Os partidos vinculados à pequena burguesia, inclusive os chamados “de esquerda”, sejam eles socialistas ou comunistas, não podem fugir dessa “vocação subalterna” típica da classe predominante nos seus órgãos dirigentes, como na sua base social. Isso explica o contorcionismo político dos reformistas e revisionistas de todos os matizes. Mesmo quando usam e abusam de uma fraseologia radical, esses embusteiros vulgares não conseguem ocultar suas contradições porque, negam hoje o que pregavam ainda ontem. Se antes falavam em ruptura, revolução, etc., ao verem-se diante de uma rotineira disputa eleitoral, são sugados pela lógica do capital que tanto criticavam anteriormente. Correm como galinhas desesperadas em busca das migalhas, dando respaldo político aos que falam em “governar para todos”, “inclusão social”, “defesa da democracia” e outros enganos do mesmo tipo, quando, na prática, já aplicaram ou se colocam a disposição para gerir os planos de exploração capitalista. 


O partido que tem projeto de poder, um programa socialista, anti-imperialista e revolucionário, não pode, de forma alguma, ficar refém de uma classe social com essa miserável “vocação subalterna”. Para ser digno desse programa e do nome comunista é preciso estar vinculado organicamente ao proletariado, a classe que está no polo oposto da grande burguesia, portanto, aquela que reúne condições de abraçar esse programa e desempenhar um papel dirigente na revolução.


¹ Lenin, em "Marxismo e Revisionismo". 

*Ney Nunes é aposentado do BB e Ex-Diretor do Sindicato dos Bancários do Rio.

quinta-feira, 25 de abril de 2024

A flor de Abril

 *André Lavinas


A flor de Abril 

Da flor que na Ásia nasceu

A semente se espalhou

E em África floresceu

A esperança que brotou.

A flor do operário e do professor,

Da costureira e da puta, 

Flor do soldado e do soldador,

de todo mundo que luta.

No abril de dias brilhantes

Chegou cedo a primavera

Na nação dos Navegantes

Nada mais seria como era.

No 25, ao raiar do dia,

Pôs-se em marcha a rebeldia,

Demorada, mas nunca tardia,

Derrubando a oligarquia.


A flor daquele dia feliz,

Adubada pelos versos de Camões,

Brotou dos canos dos fuzis

E das bocas dos canhões.

Os lusíadas foram eclipsados

Pela epopéia daqueles bravos.

De Portugal, nobres soldados.

Era a revolução dos cravos.

André Lavinas: é Empregado do BB, ex-diretor do Seeb/Rio e Militante do Comitê pró-Palestina.

domingo, 14 de abril de 2024

TODO DIA MATAM UMA MARIELLE NO RIO, DIZ EX-CHEFE DA POLÍCIA

Jacques Gruman

Hélio Luz foi um dos raros policiais que transcenderam delegacias e repressão pura e dura. Tem uma visão ampla do funcionamento da sociedade e posição política progressista. Nesta entrevista concedida à Folha de S. Paulo, fala sobre a situação da segurança no Rio e no Brasil, o caso Marielle e as dificuldades para combater a corrupção endêmica no Estado brasileiro. 

TODO DIA MATAM UMA MARIELLE NO RIO, DIZ EX-CHEFE DA POLÍCIA

 ‘‘A polícia é corrupta. É uma instituição que foi criada para ser violenta e corrupta’’. A afirmação feita no documentário ‘Notícias de uma Guerra Particular’ (1999) veio do então chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro, o delegado Hélio Luz, hoje com 78 anos.

Passados quase 30 anos e um mandato de deputado estadual pelo PT (1999-2002), Luz vive hoje em Porto Alegre, mas mantém sotaque carioca, contatos com colegas da polícia no Rio e a mesma visão. É a partir deles que avalia a investigação dos assassinatos da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes.

No último dia 24, a Polícia Federal prendeu três suspeitos de serem mandantes do crime, depois de acordo de delação com Ronnie Lessa, apontado como executor —o conselheiro do TCE (Tribunal de Contas do Estado), Domingos Brazão, seu irmão, o deputado federal Chiquinho Brazão (sem partido) e o delegado Rivaldo Barbosa, recém-nomeado chefe da Polícia Civil na época do crime.

Na entrevista à Folha, Luz cita ainda a ligação de Lessa com Rogério Andrade, apontado como um dos líderes do jogo do bicho no estado. A defesa dele tem negado as acusações.

Luz diz que o apelido Xerife da Esquerda, que recebeu nos tempos na polícia e virou título de um livro, o deixa desconfortável. ‘‘Sou um cidadão que foi delegado’’.

Entre os supostos mandantes, a família de Marielle e o ex-deputado Marcelo Freixo se disseram surpresos com o nome de Rivaldo Barbosa. E o senhor?

Polícia não fica surpresa com nada, tudo pode acontecer. Essa história que surge com a delação do Lessa... O Lessa integra o jogo do bicho. Ele é colado com o Rogério Andrade, um dos chefes, não do jogo do bicho no Rio de Janeiro, mas no Brasil. Os banqueiros do bicho no Rio têm controle do jogo no Brasil inteiro. Pega uma descarga, que é como se fosse um resseguro, e cada um faz de um estado: um da Bahia, outro do Acre, por aí vai.

Quando o sr. diz ‘descarga’ quer dizer o quê?

Fazem um jogo, vamos supor, R$ 10 mil, o banqueiro que está no Acre segura R$ 2.000 e repassa R$ 8.000 para a descarga, porque não pode bancar sozinho. Ser nível nacional é um dos requisitos para crime organizado: nível nacional, área determinada, e inserido nas instituições nacionais. Crime organizado neste país é o jogo do bicho do Rio de Janeiro. Estou colocando isso para saber onde estamos pisando. O Lessa é um fio desencapado, de alta voltagem. O cara foi do Bope, é profissional. O outro é o Domingos Brazão. O avô dele tinha controle de Jacarepaguá, não chegou ontem. São figuras que podem fazer algo.

A PF diz que [o delegado] é corrupto. É possível. Mais do que isso, tem que ter prova. Está bem escrito o relatório? Está, dá para fazer um livro, mas cadê a prova?

Algo poderia ter sido diferente para se chegar a respostas antes?

Não sei. Investigação quando você começa e diz ‘vai sair um tigre’, já está furada. Você não sabe a figura que vai aparecer, vai juntando as peças [do quebra-cabeça]. Na última, você diz se é um tigre. Fora isso, é chute.

O sr. acha que a figura não está clara?

De repente, pode ter uma tromba. Hoje em dia a ciência está evoluída (risos). Eu vejo com reservas. A autoria está determinada, sobre ela não há dúvida.

E a motivação?

Não há homicídio sem motivo. Pode ser motivo fútil, mas é motivo. Marielle era uma mulher negra, da Maré, favelada, isso é a motivação para mim. No Rio de Janeiro, todo dia matam uma Marielle, temos que levar às últimas consequências essa investigação. Não pode ficar pelo meio. Marielle é um símbolo. 60% dos brasileiros vivem com até um salário mínimo, ou seja, 129 milhões de pessoas, 20 milhões têm renda mensal de até R$ 300. E o outro lado? São 17,4 milhões que ganham acima de três salários mínimos. Esse é o motivo de a Marielle estar morta, essa desigualdade seríssima que temos. Quem segura isso? A origem desse país é a escravatura. É um país construído por escravos.

Essa sua fala ecoa a de ‘Notícias de uma guerra particular’, quando era chefe da Polícia Civil. O que mudou desde então?

De 1997 para cá não mudou nada. Tem uma classe média branca que quer criar uma ilusão. Acha que são 129 milhões de idiotas [esse é o número da população que vive com até um salário mínimo, de acordo com o IBGE] ? Não, e quem segura? O sistema de segurança —polícias e Forças Armadas. Esse é o jogo.

E onde entra a corrupção?

Aí não é voltar a 1997, é 1808. Desde que dom João 6º chegou aqui, e criou a Intendência de Polícia aos moldes do que tinha em Portugal. Criou o controle social feito pela polícia, pelo Judiciário e pelo sistema penitenciário. Esses três são encarregados de manter o controle. Onde está a corrupção? Sem corrupção, isso não existe. A corrupção está dentro da estrutura do Estado. Se não houver corrupção, a estrutura do Estado brasileiro não funciona.

A questão da Marielle é cidadania, que 20% da população tem e 80%, não. É direito à alimentação, moradia, saúde, educação, lazer. Marielle estava à margem e conseguiu ser eleita, por isso, ela é símbolo.

Em 2018, o sr. disse em entrevista que o problema do Rio, então sob intervenção federal, não eram os bandidos, mas os mocinhos. Segue assim?

As revelações são isso. São todos mocinhos, como não? Mocinhos são os poderes constituídos —Executivo, Legislativo e Judiciário. Pode colocar Ministério Público e Tribunal de Contas. Está aí a estrutura do Estado brasileiro.

Desde que o sr. deixou a polícia, tivemos UPPs, intervenção federal, o que falhou?

Não é que falhou, é porque vem para fazer o remendo. O sistema de segurança do Brasil foi feito para fazer a manutenção da ordem injusta. A milícia é um dos mecanismos, ela surge dentro da estrutura do Estado. Não existe crime no Rio de Janeiro sem um agente público junto. Agora temos milícia, antes era grupo de extermínio. E a gente vai sobrevivendo com essa estrutura montada para ser desigual. A causa da morte de Marielle é a desigualdade, é a estrutura do Estado que é perversa.

O sr. se desfiliou do PT antes do primeiro mandato do presidente Lula. Como avalia o governo agora?

Eu ajudei a montar o PT. Sou petista até hoje, eles é que deixaram de ser.

O sr. vota no PT?

Às vezes nem tomando Engov (risos). A esquerda não ganhou. Não conseguimos o Legislativo, e não consigo imaginar um governo de esquerda que entrega cinco ou seis ministérios para a direita para sobreviver.

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RAIO-X

HÉLIO TAVARES LUZ, 78

Foi bancário do Banco do Brasil, delegado e chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro, e deputado estadual na Assembleia Legislativa do Rio (1999-2002) pelo PT. Deixou a política em 2002. Vive na capital gaúcha.

segunda-feira, 25 de março de 2024

QUE PAÍS É ESSE? É A PORRA DO BRASIL.

Ótimo que o caso Marielle Franco/Anderson Gomes parece, finalmente, próximo do desvendamento. Mantenho uma pontinha de cautela sobre a punição dos culpados (afinal de contas, estamos no Rio e a família Brazão tem notórias conexões com o poder real no estado), mas não deixa de ser uma esperança.

Para entendermos o tamanho do atraso civilizacional em que vivemos, repasso os resultados de duas pesquisas do Datafolha. Cerca de 2 em cada 3 brasileiros são contrários à descriminalização do porte de pequenas quantidades de maconha. Tradução: são favoráveis a muito conhecida e generalizada repressão seletiva a negros e pobres e refresco para brancos de classe média e alta continuarem a levar a erva para uso pessoal. O conservadorismo não é exclusivo dos bolsonaristas. Quase 60% dos que se classificam como petistas aceitam a criminalização do porte de pequenas quantidades de maconha.

Na outra pesquisa, os números sugerem que uma importante bandeira do movimento feminista está longe da sociedade. Apenas 6% dos brasileiros entrevistados pelo Datafolha defendem que as mulheres devem ter o direito de interromper a gravidez em qualquer situação. Mais de metade dos entrevistados (52%) acham que mulher que interrompe gravidez deve ser presa.

Fonte: Jacques Gruman amigo do Facebook

sexta-feira, 15 de março de 2024

Dormindo com o inimigo! (Sobre a morte do maior traidor da história do PCB)

 Por Ivan Pinheiro

Em artigo do jornalista Marcelo Godoy, publicado anteontem no “Estado de São Paulo”, soubemos da “morte secreta”, no ano passado, de Severino Theodoro de Mello, creio que corretamente qualificado pelo autor como “o maior espião da história dos serviços militares do Brasil”. No meu caso, prefiro qualificá-lo, além de maior espião, como o maior traidor da história do PCB.



Marcelo é o jornalista que foi mais fundo até agora nas pesquisas sobre o auge da repressão da ditadura burguesa sob a forma militar instalada no Brasil em 1964. Com base em muita pesquisa e dezenas de entrevistas com protagonistas dos dois lados em confronto (militantes comunistas, armados ou não, e membros da comunidade de repressão da ditadura), ele escreveu importante livro sobre o assunto: “A CASA DA VOVÓ: uma biografia do DOI-CODI (1969-1991), o centro de sequestro, tortura e morte da ditadura militar; histórias, documentos e depoimentos dos agentes do regime”. “Casa da Vovó” era a senha como os agentes se referiam às instalações do DOI-CODI em São Paulo.  


Tive o prazer de conhecer esse corajoso jornalista em 2015, quando eu ainda era Secretário Geral do PCB. Ele me procurara para marcar uma conversa presencial, na sede nacional do partido, no Rio de Janeiro, em que o tema insinuado por telefone era a revelação de algumas informações sensíveis e reservadas sobre as prisões, desaparecimentos e assassinatos de diversos dirigentes e militantes do PCB, em 1974, entre os quais 12 membros do Comitê Central. O jornalista aceitou minha proposta de que, devido à importância do assunto, eu convidaria para a reunião alguns companheiros da então Comissão Política Nacional do CC do partido.

Marcelo veio ao nosso encontro para informar que finalmente havia sido comprovado por ele que o “camarada” Severino Theodoro de Mello era, no nosso linguajar, um “cachorrinho” do DOI-CODI no PCB, desde o início de 1974, quando fora preso (sem que o partido soubesse) no período da ofensiva da ditadura contra o partido e aceitou a proposta de se profissionalizar como o espião remunerado ideal do aparelho de repressão no PCB: ele era, desde antes do golpe de 1964 até a cisão que resultou na criação do PPS (janeiro de 1992), membro efetivo das três principais instâncias da direção nacional do então chamado “partidão”: o Comitê Central, a Comissão Política Nacional e o Secretariado Nacional!


Na reunião, Marcelo procurava conhecer impressões sobre essa descoberta, tentando entender por que os membros do CC à época não acreditaram na denúncia, em entrevista publicada na revista Veja (novembro de 1992), de um antigo agente da repressão (Marival Chaves) de que Mello era espião do DOI-CODI desde 1974, sob o codinome “Vinicius”. Dos membros do PCB, em 2015, eu era o único que convivera com o traidor no CC e na CPN do partido, desde a conclusão do VII Congresso, em 1983, até a cisão que resultou na fundação do PPS (janeiro de 1992).


Mello era muito simpático e educado entre nós, a ponto de o chamarmos de “Melinho”. Nunca ouvi qualquer camarada desconfiar que ele fosse um profissional fiel a serviço e a soldo da ditadura. Não conheço quem, até então, mesmo depois desta entrevista na revista Veja, tenha acreditado naquela denúncia.


Percebendo minha perplexidade, Marcelo Godoy resolveu provar definitivamente a informação que viera nos dar e repercutir. Contou-nos, nesta reunião em 2015, o que descobrira pouco tempo antes e que finalmente revelou no seu importante artigo desta semana no “Estadão”. O jornalista conseguiu relatos sigilosos de vários militares, em especial de um certo Antonio Pinto, cujo codinome no DOI-CODI seria “Doutor Pirilo” e que foi o oficial do CISA (Centro de Informações da Aeronáutica) responsável pela relação com o “Vinicius”.


Marcelo Godoy conseguiu uma façanha digna de uma importante premiação na área do jornalismo investigativo: em 2015, antes de nossa reunião, ele entrevistou presencialmente “Vinicius”, na residência deste em Copacabana, com orientação do “Doutor Pirilo” para dizer a verdade, com a garantia de que a vida dupla que tivera só seria revelada após a sua morte. Na verdade, como ele se vendera à ditadura em 1974 e desde então recebia mensalmente proventos como se fora capitão reformado, a orientação do seu chefe era sempre uma ordem.  


Diante da perplexidade minha e dos camaradas que compartilharam esse encontro na sede nacional do PCB, Marcelo tirou o gravador da bolsa e nos pôs a ouvir as palavras do entrevistado por ele, perguntando-me em seguida: “Você conhece essa voz?” Confessei que a ouvira muitas vezes, como sendo do “camarada” Mello!  


Até hoje guardei esse segredo, em respeito a este exemplar jornalista. Até que, anteontem, ele o revelou e provou publicamente, divulgando foto que tirou de “Melinho/Vinicius” na própria residência do entrevistado, que pela primeira vez se assumiu para a história como “cachorrinho da ditadura”.  Certamente, em breve, conheceremos suas confissões.


O título que atribuí a este meu depoimento está na minha cabeça desde anteontem, quando soube que ele conseguiu viver até 105 anos, apesar de tudo. Desde que Marcelo Godoy me convenceu de que o “Melinho” era o “Vinicius” nunca me esqueci dos dias que passei com ele em uma casa em São Paulo, no final de 1982.


Como eu era delegado pelo Rio de Janeiro ao VII Congresso clandestino do PCB, recebi instrução do meu saudoso amigo, assistente e camarada José Raimundo de que eu tinha um “ponto” com dia e horário acertados para chegar a São Paulo, onde se realizaria o Congresso, alguns dias antes do seu início. Como esquema de segurança, meu encontro estava marcado para uma loja que vendia revistas e jornais na rodoviária de São Paulo, onde eu seria abordado por um camarada que eu reconheceria imediatamente, ao vê-lo no local. Ele tinha a tarefa de me alojar em alguma casa em São Paulo, de onde seria buscado bem cedo no dia em que o Congresso efetivamente fosse começar. Esta foi a rotina para os delegados que não moravam na capital de SP.


O meu contato na rodoviária foi um camarada com o qual, apesar de nos separarmos politicamente na cisão de janeiro de 1992, continuo mantendo relações cordiais até hoje: o também jornalista Luiz Carlos Azedo, que me levou para a casa em que eu permaneceria, onde descobri que compartilharia os aposentos com dois membros do CC, Giocondo Dias e Theodoro Mello, e mais um camarada, de quem não me lembro o nome nem as feições. Ele certamente fazia a segurança da casa, principalmente pela presença do camarada Dias, nosso então Secretário Geral.


Até que chegasse a hora de partirmos para o local do Congresso, Giocondo Dias dormiu em um quarto separado e eu em outro, compartilhado com o inimigo que eu chamava fraternalmente de “Melinho”, mas que na realidade era o “Vinicius”, o único dos cerca de 80 delegados que sabia de cor e salteado o que iria acontecer alguns dias depois: enquanto Giocondo Dias abria o Congresso com saudações e informes, ainda de pé, cerca de trinta policiais entraram no auditório, gritando e empunhando suas armas, e nos conduziram em ônibus para a sede da Polícia Federal, de onde fomos liberados aos poucos, depois de fichados e de prestarmos depoimentos.


Confesso que, desde esse encontro com Marcelo Godoy, em 2015, pensei e conversei comigo mesmo sobre muitos planos mirabolantes para fazer com que “Vinicius” pagasse pelas prisões, desaparecimentos e mortes de muitos de nossos camaradas.

Celebração do centenário de Giocondo Dias, no Rio de Janeiro, em novembro de 2013, que reuniu ex-membros do CC anterior à cisão de janeiro de 1992. Com exceção de Zuleide Faria de Melo e eu, todos os demais que aparecem na foto ficaram no PPS. “Mello e/ou Vinicius” é o terceiro à esquerda do orador, Luiz Carlos Azedo.

Felizmente, o bom senso prevaleceu. A vida de um verme como esse não valia mais nada. Seu justiçamento não compensaria o risco de perder a liberdade, nem um dia sequer, que vale muito para os que queremos construir um mundo sem classes, sem fronteiras e sem guerras, onde todos nos possamos chamar de camaradas!


Rio de Janeiro, 13 de março de 2024


Ivan Pinheiro é membro do Movimento Nacional pela Reconstrução Revolucionária do PCB (PCB-RR), ex-Presidente do Sindicato dos Bancários Rio, Aposentado do BB e Advogado.

Fonte: https://emdefesadocomunismo.com.br/

sábado, 13 de janeiro de 2024

163 anos da Caixa. Parabéns aos seus Empregados!

 

Ontem a Caixa completou 163 anos de existência. Empresa Pública essencial que assim deve se manter, com atendimento irrestrito, qualidade nos serviços e melhores condições de trabalho para seus quase 90 mil empregados.

Muitos desafios foram cumpridos por seus empregados, outros nem tanto, devido às políticas implementadas e às condições de trabalho.

Embora formalmente Pública, a Caixa vem sofrendo alterações que caminham no sentido de torná-la mais parecida com um banco privado, tipo Bradesco, do que fortalecer sua vocação e necessidades enquanto Empresa Pública.

Nas últimas décadas, o processo de “privatização branca” se aprofundou. Os correspondentes bancários e lotéricos se multiplicaram, reduzindo o atendimento direto pelos Empregados e precarizando a força de trabalho.

A lógica das metas, adoecendo os Empregados e sendo a base preferencial para as oportunidades, foi implantada ano após ano sem o devido combate. 

A tentativa de abertura de capital da Caixa, ocorrida em 2015, foi um capítulo a mais na tentativa de sua privatização, e que ainda não cessou. Com a utilização política da empresa, sabemos que os interesses privatistas se acentuam.

Agora, com as alterações pretendidas no Saúde Caixa pela direção da empresa pela Contraf-CUT e seus sindicatos, além de ataque inominável aos direitos e condições de vida de seus Empregados e de suas famílias, reduz o aporte de recursos destinados a manter o Saúde Caixa, tornando-a mais “leve” e palatável para uma possível e futura privatização.

Muita força ao conjunto dos Empregados da ativa e aposentados para resistir aos ataques. Parabéns pela história de lutas por nossos direitos e pela preservação da Caixa nestes 163 anos, apesar de todos os percalços.

Forte abraço
"Empregados(as) da ativa e aposentados(as) que defendem o NÃO a essa proposta indecorosa para o Saúde Caixa"

segunda-feira, 1 de janeiro de 2024

BREVE BALANÇO DE 2023 - BRASIL

*Gerardo Santiago

Em um ano de Lula 3 o que temos? Um teto de gastos públicos, agora denominado “arcabouço fiscal”, na verdade, um calabouço fiscal que impede que se repita o volume de investimentos públicos realizado pelo próprio Lula no período entre 2003 e 2010, por exemplo. Temos privatização de presídios, transformando o encarceramento em massa da juventude pobre e negra das favelas e o trabalho dela no cativeiro em fonte de lucro. Uma “reforma tributária” que se limita a simplificar um sistema injusto, deixando intacta toda a sua injustiça. Ampliação da obscena imunidade tributária das empresas religiosas. Reajuste zero para os servidores públicos em 2024. Operações GLO em portos e aeroportos, insistindo na desastrosa política de militarização da segurança pública. Forças Armadas, PF e MPF no mesmo regime de autogestão que tanto adubou a Lava Jato e o bolsonarismo. Militares dos Estados Unidos realizando “exercícios” na Amazônia com militares brasileiros. Uma política externa tímida e tíbia, incapaz de romper relações diplomáticas com o estado sionista, apesar de seus atrozes crimes contra a humanidade, incapaz, na verdade, de se descolar realmente do Império do Mal estadunidense. Um governo conservador de composição com a direita, as oligarquias nativas e o imperialismo. 

E o que não temos? Uma agenda política e econômica que seja nem digo anticapitalista, mas pelo menos antineoliberal, por parte do governo que diz se preocupar primeiro com os de baixo, as maiores vítimas do neoliberalismo no Brasil e no mundo. Não temos proposta de reverter privatizações ou restabelecer direitos sociais e trabalhistas eliminados ou diminuídos pelas contrarreformas trabalhistas e previdenciárias neoliberais dos governos Temer e Bolsonaro. Não temos a decisão de revogar o deletério “Novo Ensino Médio” que tenta fazer da escola pública fornecedora de mão de obra barata e obediente para ser super explorada pelo capital. Outros exemplos do que não temos poderiam ser citados, mas isso tornaria o texto muito extenso, assim ficamos com a lista exemplificativa acima.   

Só que o fato de Lula não ter uma agenda anticapitalista ou pelo menos antineoliberal não torna essas agendas menos importantes, por isso uma necessidade histórica e política mais do que urgente hoje é a construção de uma oposição de esquerda ao governo lulista no Brasil. Nos governos petistas anteriores, o PSOL cumpriu essa função, ainda que com muitas limitações. Hoje está reincorporado ao lulismo, apesar da brava resistência de alguns poucos. Diferente do PSOL, essa nova oposição de esquerda não pode repetir a aposta do petismo na política institucional e eleitoral como arena preferencial e até exclusiva da disputa política. Muito pelo contrário, ela deve denunciar a natureza de classe e o papel conservador dessa institucionalidade política e eleitoral, em momentos de eleição e fora deles. 

É um grave erro afirmar que é “democrático” um regime político em que o poder econômico interfere diretamente no processo político e é capaz de definir seus rumos em situações de “normalidade”, isto é, quando a política se mantém confinada nos espaços institucionais e eleitorais e não transborda para as ruas, o que geralmente ocorre em momentos de crise aguda. A verdade é que a “democracia” liberal capitalista atual é muito como a “democracia” ateniense de senhores de escravos da antiguidade grega, um sistema em que o poder político decorre diretamente do econômico, da propriedade. 

A “esquerda” que assume para si a defesa desse sistema a pretexto de “combater o fascismo”, ao fazer isso renuncia a qualquer perspectiva realmente transformadora e radical e se torna conservadora. E ainda facilita o trabalho de propaganda da extrema-direita de identificar “esquerda” com “sistema” e se apropriar de um charme “rebelde” e “subversivo” que tradicionalmente era da esquerda sem aspas. Quer dizer, acaba ajudando o fascismo que diz querer combater. 

A oposição de esquerda ao governo lulista tem que ser ideológica e programática, ser ferozmente antineoliberal no dia a dia e ter como horizonte estratégico o anticapitalismo e o anti-imperialismo, o socialismo. Ela não só não se confunde como se coloca como antípoda e inimiga da oposição de direita e extrema-direita ao lulismo, com a qual não se alia para nada em nenhuma circunstância. O seu inimigo é a classe dominante e sua ideologia, seja esta neoliberal, “libertária”, fascista ou “democrática”.

*Gerardo Santiago é Advogado, Aposentado do BB, Ex-Diretor do Seeb/Rio e Militante do PCB-RR.