PCB-RR

domingo, 20 de abril de 2014

Bradley Manning nos deu a verdade



Escrito por Elaine Tavares   

Sempre fui renitente com os estadunidenses. Aquela coisa do preconceito que vamos madurando dentro da gente e que, por vezes, torna-se cristalizado e burro. Então, comecei a ler os livros de Gore Vidal e vi que por lá havia vida inteligente. Mais tarde conheci Howard Zinn e, obviamente, constatei que a história desse povo também é cheia de beleza e de gente comprometida com a vida, com a verdade, com o bem de todos. Não dá para confundir o governo e a elite podre com as pessoas de bem, que assomam em milhares.

Uma dessas tem me causado tristeza e ternura nos últimos dias. O bravo soldado Bradley Manning. Sua carinha de menino, ainda cheia de espinhas, caminhando entre os guardas, com o semblante imutável, definitivamente certo de que fez o que tinha de fazer. Esse garoto era um analista de inteligência lotado no batalhão de suporte da 2ª Brigada da 10ª Divisão da Estação de Operação de Contingência, durante a Guerra dos EUA contra o Iraque. Mais um desses meninos que são obrigados a servir num país distante, travando uma guerra que não é deles, em nome de interesses escusos.

E tal como outros tantos soldados metidos nessas guerras estúpidas, Bradley viu coisas que não pode suportar. Todas essas denúncias que são feitas de terror, assassinatos, estupros, violências, torturas. Tudo isso passou por ele nos dados que manipulava no computador. Premido pela consciência, ele decidiu divulgar os horrores que eram praticados pelos soldados no Iraque. Seu desejo era singelo: coibir os abusos.

Como qualquer estadunidense comum, ele acredita em quase todas as histórias de “mundo livre”, “democracia perfeita” e todas essas ideologias que o governo martela todos os dias através dos meios de comunicação e outras correias de transmissão. Ele sente orgulho em pertencer à armada de seu país. Por isso era confuso ver o que via. Aquelas imagens que observava no computador não fechavam com o ideal de mundo perfeito que tinha na cabeça.

E foi por conta desse soldado que o mundo pode ver imagens duras como a da morte de uma dezena de civis, promovida sem qualquer pudor desde um helicóptero. E outras tantas atrocidades que apareceram no sítio da Wikileaks. Pois tudo o que Bradley queria é que esse terror tivesse fim. Na sua ingenuidade, talvez, ele acreditou que o desvelamento da verdade sobre o que acontecia no Iraque pudesse parar a máquina da morte.

Pois o jovem soldado não sobreviveu à traição. Um informante que investigava o caso dos vazamentos de informação conseguiu descobrir que era Bradley a pessoa que havia desviado os documentos e os entregou às autoridades estadunidenses. Ao contrário de Julian Assange ou Edward Snowden, Bradley não teve para onde fugir. Foi preso e ficou confinado em condições de detenção desumanas. Foi apresentado à nação como um traidor. Virou o inimigo número um dos EUA. O “mundo livre” não podia deixar barato o fato de ter tido sua máscara arrancada por um quase guri.

Assim, durante sua prisão, desde 2010, Bradley provou daquilo que via seus companheiros fazerem com os “inimigos”. Foi submetido a tratamento desumano. Segundo seu advogado, David Coombs, Bradley permanecia trancado, sozinho, na cela, sem que tivesse roupas de cama, ou qualquer outro objeto pessoal. Até seus óculos foram retirados. Tudo o que podia fazer era caminhar em círculos dentro da cela vazia. Durante a noite, era obrigado a tirar toda a roupa e entregá-la aos guardas. Dormia apenas com a cueca. Uma suprema humilhação que visava destruir sua autoestima e seu desejo de viver.

Nessa semana o vimos de novo na televisão, durante seu julgamento. Acusado de 21 crimes diferentes, ele foi condenado a 136 anos de prisão. Seus crimes se resumem num só: ele revelou a verdade sobre a guerra. Ele tirou o véu da mentira, colocou a nu a podridão, o terrorismo, o assassinato frio de homens, mulheres e crianças, gente civil.

E ali estava ele, agora com 25 anos, sereno, ao ouvir a sentença. Talvez, dentro do coração, ainda esteja cheio de perplexidade, porque tudo o que queria era provocar o debate sobre o horror de uma guerra e os excessos cometidos por seus companheiros. Bradley, ao contrário do que dizem seus acusadores, queria salvar o seu “mundo livre”, limpá-lo das manchas. Um garoto ingênuo e sonhador. Cometeu o terrível erro de tentar salvar seu país. Deveria ser carregado nos braços como um herói pelo seu povo. Deveria ser reverenciado por outros tantos jovens que, como ele, partem para os confins da Terra lutando em guerras que nem entendem.

Bradley Manning nos deu as provas da verdade tão denunciada. Agora vai pagar por isso, na solidão, certamente submetido a toda sorte de humilhações.

Por conta disso, articulam-se em todo mundo comitês de apoio ao soldado que pedem a sua libertação. É que as pessoas que lutam por um mundo justo sabem que esse é um dever. Bradley arriscou tudo para nos dar a verdade. Agora é hora de retribuir esse doloroso presente.


Elaine Tavares é jornalista.
Blog: Eteia.

sábado, 19 de abril de 2014

Criticada no passado por estatizações, Bolívia arranca elogios por expansão e estabilidade

“Sem o FMI, estamos melhor”

Mariana Schreiber
Da BBC Brasil em Londres
Evo Morales

A declaração do presidente boliviano, Evo Morales, durante a abertura de uma conferência internacional sobre os direitos indígenas na última segunda-feira, em Santa Cruz de la Sierra, foi apenas sua mais recente crítica ao Fundo Monetário Internacional.

Em fevereiro, ele disse que a instituição deveria ressarcir os danos que causou ao longo de 20 anos de políticas neoliberais na América Latina. As constantes críticas contrastam com o tom elogioso do último relatório do fundo sobre o país, que parabeniza a Bolívia por sua boa gestão econômica e pelo rápido crescimento do PIB (Produto Interno Bruto).
Os números preliminares indicam que a nação mais pobre da América do Sul cresceu 6,5% no ano passado, o melhor resultado em três décadas. Mas não se trata de um dado positivo isolado. De 2007 a 2012, a expansão anual média do PIB no país foi de 4,8%. E, para este ano, o FMI projeta um crescimento acima de 5%.

Política prudente

Analistas de mercado atribuem os bons números a uma política econômica prudente que soube aproveitar o cenário favorável de alta do preço do gás – principal produto boliviano.
“Há vários anos, o desempenho macroeconômico da Bolívia tem sido muito bom. Essa performance, ativamente apoiada em políticas sociais, ajudou a aumentar em quase três vezes a renda média da população e reduziu a pobreza e a desigualdade”, afirmou recentemente Ana Corbacho, economista que chefiou a última missão de monitoramento do FMI ao país, em conferência com jornalistas.
Além de incensada pelo FMI, a administração do autointitulado governo socialista também é bem avaliada pelo Banco Mundial e a Economist Intelligent Unit – consultoria ligada à revista inglesa The Economist, crítica costumaz do ministro da Fazenda brasileiro, Guido Mantega. A agência de classificação de risco Moody’s também tece elogios à administração Morales e reconhece até mesmo aspectos positivos na nacionalização do setor de petróleo e gás em 2006.

Arrecadação crescente

O último relatório anual da instituição sobre o país diz que, apesar de estatizações em geral terem impactos negativos “no clima de negócios” e “enfraquecerem” a produção no setor de energia, “no caso da Bolívia, a nacionalização do setor de hidrocarbonetos (petróleo e gás) claramente fortaleceu as receitas do governo”.
Com arrecadação crescente, a administração Morales conseguiu reduzir consideravelmente a dívida pública, elevar os investimentos e acumular reservas internacionais de US$ 14 bilhões – o equivalente à metade do PIB boliviano, segundo o FMI.
E apesar da estatização de alguns setores da economia, o país passou a atrair mais capital externo produtivo. Nos últimos quatro anos, a entrada do chamado investimento estrangeiro direto ficou em média em 3,5% do PIB boliviano, uma taxa relativamente alta.
O único problema é que os recursos estão muito concentrados no setor de gás – são investimentos de empresas que agora atuam como fornecedoras de serviços para o governo, observa Sarah Glendon, analista da Moody’s. Com isso, a economia não tem se diversificado.

Revertendo privatizações

O governo de Morales diz que nacionaliza apenas setores estratégicos que eram do Estado antes da leva de privatizações dos anos 90, recomendada pelo FMI. São empresas de petróleo, gás, eletricidade, telecomunicação, transporte aéreo e ferroviário e de alguns metais – quase todas já estatizadas, em geral após o pagamento de alguma compensação.
As medidas teriam respondido aos anseios populares. A população não viu benefícios após as privatizações dos anos 1990, período em que a desigualdade social cresceu, e isso levou a anos de instabilidade política, diz a analista da Moody’s. Antes de Morales, a Bolívia teve quatro presidentes em menos de cinco anos.
O atual presidente chegou ao poder em 2006, se manteve no cargo em 2009 em eleições antecipadas e poderá concorrer ainda a um terceiro mandato em outubro. Ele lidera as pesquisas com folga.
A previsibilidade política acaba favorecendo os negócios, afirma Glendon. “Apesar de muitos investidores se preocuparem com o perfil de esquerda e intervencionista do governo de Evo Morales, sua administração fez uma boa gestão macroeoconômia e trouxe anos seguidos de estabilidade política que não existia antes”.

Vulnerabilidades

Bolivia
Mas, apesar de todos os avanços, a Bolívia ainda permanece um país pobre e com uma economia pouco diversificada. A renda per capita é de cerca de US$ 2.700 por ano (no Brasil tem sido acima de US$ 10 mil nos últimos anos), e o setor de petróleo e gás responde por metade das exportações e um terço das receitas do governo. Quase todo o combustível é vendido para apenas dois países – Brasil e Argentina.
As mesmas instituições que elogiam a atual gestão dizem que o governo precisa melhorar mais o ambiente de negócios para atrair recursos para outros setores, com objetivo de sustentar um crescimento mais dinâmico e perene num horizonte longo.
No curto prazo, porém, os analistas vêem poucos riscos para a atual trajetória de expansão econômica, apesar da expectativa de que o governo vai acelerar os gastos neste ano eleitoral, pressionando as contas públicas.
“Muito coisa teria que dar errado para a Bolívia viver uma nova crise como há 15 anos”, acredita Federico Barriga, analista da Economist Intelligence Unit.
Para Ana Corbacho, do FMI, “a economia boliviana está em uma posição muito confortável para enfrentar possíveis choques externos”, graças às robustas reservas internacionais.
“Estamos mostrando ao mundo inteiro que você pode ter políticas socialistas com equilíbrio macroeconômico”, disse o ministro da Economia e Finanças, Luis Arce, em entrevista recente ao jornal The New York Times. “Tudo o que nós fazemos é com objetivo de beneficiar os pobres. Mas você tem que fazê-lo aplicando a ciência econômica”.

domingo, 13 de abril de 2014

Ajuda internacional ao Haiti é ‘grande mentira’, defende tese

            
Haitiano, autor do estudo afirma que país está sendo recolonizado pelo capital transnacional
“Não tem ninguém ajudando o Haiti. É o Haiti que está ajudando todo mundo”, disse ao Jornal da Unicamp o haitiano Franck Seguy, que acaba de defender sua tese de doutorado “A catástrofe de janeiro de 2010, a ‘Internacional Comunitária’ e a recolonização do Haiti”, no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp, sob orientação do professor Ricardo Antunes.
 
 
“A ajuda internacional ao Haiti é a grande mentira que a mídia conta”, disse o pesquisador. Em sua tese, ele sustenta que o catastrófico terremoto de janeiro de 2010, que deixou cerca de 300 mil mortos e 2,3 milhões de desabrigados, deu ao que ele chama de “Internacional Comunitária” – o conjunto de países hegemônicos e organizações a eles vinculadas, comumente chamados de comunidade internacional – a oportunidade de impor a recolonização do país. “Literalmente, o Haiti está se tornando uma colônia”, disse ele. “Não uma colônia como antigamente, a colônia de uma metrópole, mas é uma colônia do capital transnacional”.
 
 
O projeto de recolonização, afirma Seguy, já ficava claro no texto do “Plano de Ação para a Recuperação e o Desenvolvimento o Haiti” (PARDN), apresentado pelo governo haitiano dois meses depois do terremoto. “O governo haitiano escreveu um plano de reconstrução que ele apresenta aos seus parceiros da mal chamada comunidade internacional – não à sociedade civil haitiana. Só que quando analisei o plano para minha tese, descobri que é na verdade apenas uma atualização de um estudo realizado por um economista da Universidade de Oxford que se chama Paul Collier, que foi enviado ao Haiti pelo Secretário Geral da ONU, e que publicou o relatório dele em janeiro de 2009”, explicou o pesquisador. “Quer dizer: o que está sendo implementado hoje no Haiti, como ‘reconstrução’, na verdade é um plano de antes do terremoto”.
 
 
“O terremoto atingiu o Haiti na região onde fica a capital. O Haiti é dividido em departamentos. O departamento onde fica a capital, Porto Príncipe, se chama o Departamento Oeste. E esta região foi a que foi atingida, o Departamento Oeste e um pouco do Sudeste. Porém, tudo o que está acontecendo em torno da reconstrução do Haiti está acontecendo no Nordeste”, relatou o pesquisador. “Do outro lado da ilha. O plano não está atendendo às necessidades criadas pelo terremoto. O plano está implementando as conclusões do estudo anterior ao terremoto, que é o Relatório Collier”. Levantamento da agência de notícias Reuters dá conta de que, no início deste ano, ainda havia mais de 150 mil pessoas morando em tendas e abrigos improvisados em Porto Príncipe, e que não têm nem água limpa e nem sequer pias para lavar as mãos.
 
 
Uma das propostas de Collier é de que o Haiti se aproveite de uma série de leis dos Estados Unidos, que permitem que produtos manufaturados haitianos entrem no país sem pagar tarifas, para estabelecer uma série de zonas francas para a produção têxtil. Diz texto de Collier, citado na tese:
 
 
“No setor de vestuário, o custo principal é o da mão de obra. O Haiti sendo relativamente pouco regulamentado, o custo da mão de obra aguenta perfeitamente a concorrência com a China, que constitui a referência padrão. A mão de obra haitiana não somente é barata, também é de qualidade. Com efeito, dado que a indústria do vestuário já foi anteriormente muito mais desenvolvida do que o é atualmente ali, o Haiti dispõe neste setor de uma importante reserva de mão de obra experiente”.
 
 
O foco do investimento supostamente enviado para a reconstrução do país, explica Seguy, vem sendo a zona franca de Caracol, no nordeste haitiano, onde está sendo implantado um parque industrial têxtil exportador. A tese afirma que o parque ocupa “250 hectares de terras cultivadas por famílias campesinas, que o governo expropriou”. “No dia 11 de janeiro de 2011, ou seja, um dia antes do primeiro aniversário do terremoto, o governo haitiano havia assinado um acordo com a secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, junto a representantes do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e a companhia de têxtil coreana, Sae-A Trading, em virtude do qual os 366 lares de agricultores que trabalhavam 250 hectares de terras das mais férteis do município precisavam ser expropriados para deixarem o lugar à construção de uma zona dita industrial”, diz a tese. As famílias que tiveram suas terras desapropriadas ainda aguardam indenização.
Franck não acredita que a instalação de zonas industriais exportadoras como a Caracol possa levar ao desenvolvimento econômico do país. “O Haiti é visto como espaço para produzir, não como espaço para consumir. O trabalhador haitiano na zona franca, que produz as camisas, jeans ou tênis nunca vai consumir esses produtos. Por quê? Porque o salário dele, o salário do haitiano hoje, é de 200 gurdes (cerca de US$ 5) ao dia. Quer dizer, está se utilizando do Haiti para produzir, mas não se enxerga o Haiti, o trabalhador haitiano, como um consumidor”.
 
 
Além disso, lembra ele, a industrialização está se dando por meio de produção têxtil, sem transferência de tecnologia e sem investimento firme do empresário, que em geral é estrangeiro. “A construção do espaço não é investimento do capitalista. O investimento para construir a fábrica é o dinheiro que vai para o Haiti em nome da ajuda ao povo haitiano. Se em alguma região do mundo a mão de obra for mais barata que a haitiana, a empresa não tem dificuldade em se mudar. O capitalista que está explorando a mão de obra haitiana não tem compromisso nenhum com o Haiti. Porque ele não tem nada a preservar ali”.
 
 
O pesquisador não é otimista quanto à possibilidade de uma melhor inserção do Haiti na economia global: “A divisão internacional do trabalho já decidiu qual o papel do Haiti: fornecer mão de obra barata”. Mais de 80% dos haitianos com curso superior deixam o país, disse ele. “Há dois fluxos migratórios: o que é chamado de cérebros, principalmente para o Canadá, e o outro, de trabalhadores manuais, para as ilhas da circunvizinhança do Haiti, e agora cada vez mais para o Brasil”. Franck afirma que parte do fluxo de trabalhadores haitianos pouco qualificados em direção ao Brasil parece clandestino, mas que na verdade as rotas são bem organizadas, e conhecidas das autoridades. “Se não estivesse atendendo a interesses no Brasil, elas poderiam ser facilmente fechadas”, declarou.
 
 
Tropas brasileiras
O Exército brasileiro chegou ao Haiti após o levante de 2004, que culminou com o exílio do então presidente Jean-Bertrand Aristide. O Brasil assumiu o comando militar da Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (Minustah) em junho daquele ano. Franck é cético quanto à necessidade da presença de forças internacionais em seu país.
 
 
“Tiveram que vender a ideia de que o país estava em guerra e precisava ser pacificado. E desde que cheguei ao Brasil essa é a pergunta que me fazem: sobre a guerra do Haiti ou missão de paz no Haiti. Não, o Haiti nunca precisou de missão de paz, nunca teve guerra”, disse. Além disso, o pesquisador lembra que o próprio nome da missão é de “Estabilização”, não de paz. Ele compara a situação de desordem que levou à intervenção internacional no Haiti aos conflitos dentro das favelas do Rio de Janeiro. “Esses conflitos existem, e justificam muitas coisas, mas não dá para dizer que o Brasil esteja em guerra e precise ser pacificado”, comparou.
 
 
Assim como o capital internacional se serve das zonas francas, o Brasil se serve do Haiti para ganhar projeção no cenário internacional, tentar comprovar sua capacidade a ocupar uma vaga permanente no Conselho de Segurança da ONU e para treinar suas tropas, disse o pesquisador. “O Haiti serve para isso. É um campo de treinamento. Praticamente todos os soldados brasileiros que já foram para o Haiti estão, agora, sendo utilizados para controlar o Rio de Janeiro, porque a situação é muito parecida”. O papel do Brasil no Haiti, disse ele, é de repressor dos movimentos sociais de contestação. “Em 2008 houve movimentos contra o encarecimento da cesta básica e, em 2009, muitos movimentos operários pelo reajuste do salário mínimo. Qual o papel do Exército brasileiro em tais ocasiões? Repressão. O papel do Brasil é o papel policial, de reprimir qualquer movimento contra esta ordem que se está caracterizando no Haiti”.
 
 
Futuro
O Haiti é hoje um país sem soberania, afirma Franck, onde o governo nacional tem menos poder que um governador de Estado. “Se o Haiti fosse anexado aos EUA, seu governador teria mais autonomia que os dirigentes haitianos têm agora”, disse ele. O pesquisador não vê uma saída para o país que passe pela “internacional comunitária”, pelo governo nacional e as classes dominantes que colaboram com ela.
 
 
“A saída seria pelo outro lado, pelo lado dos movimentos sociais, das lutas sociais, só que este lado também está comprometido: porque hoje, o que existe de movimentos sociais no Haiti vive de financiamento estrangeiro, por meio das ONGs que se dizem ONGs de esquerda”.
 
 
Franck desconfia das ONGs, mesmo das que se declaram de esquerda. O texto de sua tese traz uma crítica à “solidariedade de espetáculo” das organizações internacionais. Referindo-se ao apoio prestado pelas ONGs aos camponeses haitianos, ele escreve: “tanto as ONGs da sociedade civil quanto os movimentos sociais, até as organizações de bairros urbanos e o próprio movimento camponês contemporâneo, quando se organizam, o fazem com o intuito de se metamorfosear em instituições de gestão de projeto de desenvolvimento, em vez de colocar a questão agrária – questão fundamental – na agenda político-ideológica”.
 
 
“A ONG pode até se dizer de esquerda, mas a ONG, de esquerda ou de direita, funciona à base de financiamento. E tem de prestar contas, periodicamente, ao financiador. O funcionário da ONG pode acreditar que é um militante, mas não pode ser um militante contra o capital. Porque ele é um funcionário que tem de prestar contas”.

Publicação
Tese: “A catástrofe de janeiro de 2010, a ‘Internacional Comunitária’ e a recolonização do Haiti”
Autor: Franck Seguy
Orientador: Ricardo Antunes
Unidade: Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH)

Reportagem
Texto: CARLOS ORSI
Fotos: Marcello Casal Jr/ABr, Antoninho Perri
Edição de Imagens: Diana Melo
Campinas, 11 de abril de 2014 a 27 de abril de 2014 – ANO 2014 – Nº 594
http://www.unicamp.br/unicamp/ju/594/ajuda-internacional-ao-haiti-e-grande-mentira-defende-tese

quinta-feira, 10 de abril de 2014

Unidade marca manifestação dos servidores federais e estaduais


  cpers.org.br

A unidade marcou o ato público unificado dos servidores federais e estaduais realizado na tarde desta quarta-feira, dia 9, na praça da Matriz, no Centro de Porto Alegre. Os servidores estaduais começaram a ocupar o espaço em frente ao Palácio Piratini, sede do governo gaúcho, por volta das 13h. 

As falas foram unânimes em cobrar do governo Tarso respeito aos servidores e aos serviços públicos. O padrão FIFA tem que estar inserido no dia a dia da população, com a prestação de serviços de qualidade e com trabalhadores valorizados.

Também foi destacada a perseguição por parte do governo e das instituições aos servidores, com aberturas de sindicâncias e sem qualquer processo efetivo de negociações.

Tarso foi duramente criticado por ter prometido pagar o piso aos professores e criar uma lei para garantir o piso aos funcionários de escola, mas durante o seu governo não cumprir nenhuma delas.

Temos um governo que prioriza os altos salários e que mantém a política de isenções fiscais, que prejudicam os serviços públicos.

Os servidores denunciaram a quebra do IPE pelo governo Tarso. A frase “não vamos deixar o governo Tarso privatizar o IPE” foi repetida diversas vezes durante a manifestação.

Críticas foram feitas à não nomeação dos professores aprovados no concurso realizado no ano passado. Enquanto isso, as escolas, em pleno mês de abril, sofrem com a falta destes profissionais.

O concurso teve mais de 13 mil aprovados e menos de mil, desde então, foram nomeados. O governo prefere manter a política de contratações emergenciais.

Além da falta de professores, as nomeações seriam garantidas se o governo cumprisse o dispositivo da lei do piso que garante 1/3 de hora-atividade.
O protesto foi fechado com os servidores deixando recados ao governo do Estado em painéis distribuídos em frente ao Palácio. Neles foram inseridas frases como: “concurso público para funcionários de escola”, “pela nomeação de professores”, “Aposentados merecem respeito e promoções atrasadas” e “Tarso, fora da lei, cadê o piso do magistério?”.

Às 13h30min, os servidores federais , que estão em campanha salarial, se somaram à manifestação. Realizaram uma caminhada desde as imediações da Receita Federal, localizada na região central da capital, até a praça da Matriz.

A unidade de todas as categorias de servidores é importante, uma vez que todos estão em luta contra o arrocho salarial e também contra as concessões feitas à iniciativa privada pelo governo Federal: estradas, portos e aeroportos.

Tortura Nunca Mais!

8 de abril de 2014
Tortura Nunca Mais!
Ditadura mantinha pelo menos sete 'centros clandestinos', revela CNV

A Comissão Nacional da Verdade (CNV) apresentou na tarde desta segunda-feira (7) em São Paulo seu quarto relatório parcial de pesquisas, este dedicado à identificação de centros clandestinos utilizados pela ditadura (1964-1985) para interrogar, torturar, matar, desfigurar e ocultar cadáveres de opositores, com anuência de militares de alto escalão, inclusive no Palácio do Planalto.
O documento lista sete imóveis utilizados pelo regime nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Itapevi (SP), Marabá (PA) e Petrópolis (RJ), com endereços, cadeias de comando e nomes das vítimas que sofreram graves violações de direitos humanos em cada local. O relatório sugere ainda a existência de pelo menos outros dez espaços semelhantes, espalhados pelos estados de Paraná, Bahia, Sergipe, Goiás, Brasília, Pernambuco e Ceará.

“Mais uma vez demonstramos que essa rede de centros clandestinos era parte de uma estratégia adotada pelo Estado brasileiro e pelas Forças Armadas para eliminação de opositores”, avalia o jurista Pedro Dallari, coordenador da CNV, ressaltando que os centros clandestinos foram resultado de uma 'política de Estado' – e não de supostos 'excessos' que fugiam ao conhecimento do governo. “Havia uma política de Estado responsável pela estruturação de uma rede de centros clandestinos para graves violações aos direitos humanos.”

“Não eram estruturas autônomas, não eram subterrâneos e não eram produtos de milícias ou grupos paramilitares”, reforça a historiadora e assessora da CNV Heloísa Starling, que conduz o estudo sobre centros clandestinos juntamente com pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). “Em função da natureza dos vínculos de comando, da abrangência geográfica e da atuação regular, esses centros clandestinos eram parte da estrutura de inteligência e repressão do regime. E obedeciam ao alto comando das Forças Armadas.”

De acordo com Heloísa, centros clandestinos eram casas, apartamentos, sítios ou fazendas, em geral de propriedade privada, cedidos ao regime para funcionar como aparelhos de repressão. “Não se confundem com quartéis, instituições militares ou delegacias de polícia, que podemos chamar de 'centros convencionais' de violações de direitos”, diz a pesquisadora. Os sete centros, informa, operaram entre 1970 e 1975, nos governos de Emilio Garrastazu Médici e Ernesto Geisel.

A assessora da CNV explica que os centros clandestinos foram criados com a finalidade de abrigar procedimentos considerados “estratégicos” pelos militares então no poder – e que eram proibidos até mesmo pelas leis de exceção que imperavam no país. Além da tortura, os imóveis identificados pela pesquisa também foram responsáveis pelo desaparecimento de cadáveres. “Isso incluía eliminar digitais e arcadas dentárias, e eliminar os próprios corpos através da queima junto com pneus, esquartejamento e lançamento no mar”, enumera.

Os centros, continua Heloísa, também cumpriam um papel estratégico para sustentar a imagem “democrática” que a ditadura ostentou perante setores da opinião pública brasileira. O regime utilizou os imóveis clandestinos para evitar que determinados opositores – “que deveriam ser eliminados” – ingressassem nos caminhos da Justiça formal. Assim, o governo impedia que fossem presos, julgados e processados pelos tribunais do país – que, apesar de controlados pelos ditadores, ainda previam certas garantias ao réu. Por exemplo, a vida.

“Contra determinados opositores, a ditadura não poderia utilizar os procedimentos da própria 'legalidade de exceção' que ela havia construído. E é nesse sentido que ela precisou criar essa estrutura clandestina. Havia presos que ela não poderia assumir. Então, criou uma série de práticas para ferir a 'legalidade de exceção' que ela mesmo tinha criado”, explica a historiadora. “Essa 'legalidade' é ferida nos desaparecimentos, na política de extermínio e no uso da tortura como técnica de interrogatório. A ditadura elaborou mecanismos para utilizar todas as vezes em que os militares considerassem insuficientes os procedimentos legais.”

Os centros clandestinos enumerados pelo estudo preliminar da CNV foram responsáveis pela tortura, morte ou desaparecimento de pelo menos 45 pessoas. Dos sete, o imóvel mais sangrento era conhecido como Casa Azul, e se localizava no km 1 da rodovia Transamazônica, no município de Marabá (PA). Subordinada ao Centro de Informações do Exército (CIE), na Casa Azul morreram não menos que 24 pessoas – entre elas, combatentes da Guerrilha do Araguaia. “Ninguém sobreviveu lá dentro”, afirma Heloísa. Um dos torturadores do centro paraense era Sebastião de Moura, conhecido como Major Curió.

“A pesquisa da CNV está levantando uma questão nova e importante sobre a ditadura”, sublinha a historiadora. “Se comparada às ditaduras argentina ou chilena, a ditadura brasileira foi extremamente seletiva na repressão.” De acordo com Heloísa, essa seletividade casou perfeitamente com a existência dos centros clandestinos. Com eles, evitava-se levar aos quartéis, delegacias e à Justiça quem já estava marcado para morrer.
 “O regime pensou as duas coisas, com uma estratégia dupla”, afirma. “Isso possibilitou poucos momentos de repressão de massa.”

Nem todos os centros clandestinos podem ser considerados “casas da morte”, como a Casa Azul de Marabá (PA) ou a Casa de Petrópolis (RJ). Isso porque, segundo Heloísa Starling, alguns não eram utilizados para torturas e desaparecimentos de opositores. “Eles funcionavam para cooptação e monitoramento de militantes que eram transformados em agentes infiltrados”, revela, citando como exemplo um imóvel localizado no bairro do Ipiranga, em São Paulo. “Neste centro, os infiltrados assinavam contrato, recebiam salário e entregavam seus relatórios.” Outras casas, afirma a assessora da CNV, serviam de alojamento temporários para repressores envolvidos em operações clandestinas.

Fonte: Rede Brasil Atual
Postado por: Fernando Diegue

quarta-feira, 2 de abril de 2014

João Felício indicado por unanimidade em Bruxelas para presidir a Confederação Sindical Internacional

Dirigentes de centrais de todo o mundo aclamaram o nome do secretário de Relações Internacionais da CUT

Dirigentes das principais sindicais de todo o mundo aprovaram indicar, por unanimidade, nesta quarta-feira (2) o nome do secretário de Relações Internacionais da Central Única dos Trabalhadores (CUT-Brasil), João Antonio Felício, à presidência da Confederação Sindical Internacional (CSI).


Resultado da fusão da Confederação Internacional de Sindicatos Livres e da Confederação Mundial do Trabalho, a CSI é a principal entidade de representação da classe trabalhadora a nível mundial, congregando 175 milhões de trabalhadores através dos seus 311 afiliados em 155 países e territórios.


Na reunião desta quarta estiveram presentes os presidentes e secretários gerais das centrais sindicais que fazem parte do Conselho Geral da CSI. A entidade tem seu Congresso marcado para o final de maio, em Berlim. Logo depois do Congresso, ocorrerá a reunião do Conselho Geral, quando haverá a eleição do presidente.


LUTA -Na sua trajetória de mais de três décadas de militância, João Felício já foi presidente e secretário geral da CUT Nacional, e também presidente da Apeoesp (Sindicato dos Professores do Estado de São Paulo), maior sindicato da América Latina.

Fonte: CUT Nacional

  
A turma da CSI no Brasil
 
Ao ler a matéria "CUT e mais duas centrais sindicais brasileiras assinam carta de apoio aos operários da Nissan nos EUA" (veja abaixo), não pudemos deixar de lembrar os históricos laços que une parte do sindicalismo brasileiro ao sindicalismo americano e europeu, que hoje se organizam mundialmente na Confederação Sindical Internacional (CSI).
 
A CSI, fundada em novembro de 2006 em um congresso na Áustria, é fruto da fusão de duas antigas centrais mundiais: a Confederação Internacional das Organizações Sindicais Livres (Ciosl), que já representava o casamento da social-democracia européia com o tradeunionismo dos EUA; e a democrata-cristã Confederação Mundial do Trabalho (CMT). No programa aprovado no congresso ela reafirma a velha intenção de “humanizar” a globalização, de priorizar a atuação nas instâncias multilaterais, como o Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial e Organização Mundial do Comércio, e de reforçar a negociação tripartite entre o capital, governos e trabalhadores
 
A Ciosl, criada em 1949, nasceu no bojo da “guerra fria” para domesticar a luta de classes. O seu estatuto pregava “o combate ao comunismo”. Após dividir a Federação Sindical Mundial, central unitária fundada em 1945, a Ciosl cumpriu um papel histórico desprezível. Entre outros crimes, apoiou o cerco capitalista ao bloco soviético e a Cuba, foi cúmplice de guerras imperialistas na Coréia e no Vietnã, estimulou e financiou os golpes no Brasil, Chile, Argentina. Já a CMT, originária da Confederação dos Sindicatos Cristãos (CISC), criada em 1920 com apoio do Vaticano e dos partidos democratas-cristãos, sempre teve menor expressão no sindicalismo e nunca aceitou discutir qualquer unidade orgânica.
O Conselho Geral da CSI, o seu principal órgão de deliberação, formado por 70 titulares e 140 membros rotativos de todos os continentes. Do Brasil, as três centrais nacionais CUT, Força Sindical e UGT, tem assento no conselho.
 
CUT e mais duas centrais sindicais brasileiras assinam carta de apoio aos operários da Nissan nos EUA
cut.org
A CUT e mais duas centrais sindicais brasileiras assinam, nesta terça-feira (12), em São Paulo, carta de apoio aos trabalhadores da fábrica da Nissan nos EUA.
No documento, os sindicalistas exigem que a montadora respeite os acordos internacionais que garantem liberdade de organização sindical - a direção da empresa impede a organização dos trabalhadores e ameaça quem for sindicalizado. Segundo os dirigentes, os salários na Nissan norte-americana são muito baixos, metade dos trabalhadores tem contrato temporário e o sindicato é proibido de representar a categoria.
 
 
COLETIVA A IMPRENSA
A cerimônia de assinatura da carta de apoio aos operários da Nissan nos EUA será realizada nesta terça, às 11h00, durante coletiva a imprensa que será dada na sede da UGT, Rua Aguiar de Barros, 144, Bela Vista, Centro.
Participam da coletiva o presidente da CUT Vagner Freitas, representantes do UAW (United Auto Workers), sindicato que representa os metalúrgicos dos EUA Rafael Messias Guerra e Ginny Toughalin, o presidente da UGT Ricardo Patah, o vice-presidente da Força Sindical Miguel Torres e o secretário-geral da CNM-CUT, João Cayres.

HISTÓRICO
Em janeiro deste ano, o presidente da CUT e o secretário-geral da CNM-CUT participaram do lançamento da campanha “Mississippi Alliance for Fariness at Nissan (MAFFAN)”, que denuncia a violação dos direitos humanos dos metalúrgicos da unidade da fábrica japonesa Nissan, instalada na cidade de Canton, no Mississippi-EUA. Na ocasião, Vagner defendeu que a campanha também fosse divulgada no Brasil para que a sociedade seja informada sobre os métodos utilizados pela montadora para impedir que os trabalhadores lutem pelos seus direitos “Atingir a imagem da empresa pode ser uma maneira eficaz de lutar contra a exploração dos metalúrgicos”, disse o dirigente na época.
Para impedir os trabalhadores de se organizar por meio de um sindicato, a Nissan ameaça com demissão de quem votar pela criação da entidade e até com o fechamento da fábrica. Isso sem falar das reuniões e encontros com grupos de trabalhadores cujo objetivo é apenas espalhar o medo.
Vários fatores contribuem para ampliar o clima de terror na montadora, entre eles: os trabalhadores não têm representação sindical, não têm acordo de negociação coletiva; os salários são baixos, as condições de trabalho ruins; metade do quadro de pessoal é temporário - o trabalhador não sabe quanto tempo ficará empregado, o que alimenta ainda mais a insegurança econômica na família e na região.
Para Bob King, presidente da UAW, somente com a representação sindical em todo o setor nos EUA e com o fortalecimento de redes de contatos internacionais com sindicatos de metalúrgicos de todo o mundo, os trabalhadores terão voz ativa para conquistar um padrão de vida aceitável.
E a luta pela criação de um sindicato na sede da Nissan é de todos os trabalhadores norte-americanos e do mundo.
“É uma luta em defesa da cidadania”, concluiu o presidente da CUT, Vagner Freitas.
 
UC  Nacional